Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Natália Marchiori da Silva (UFSCAR)

Minicurrículo

    Mestra em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos, cuja a dissertação defende a sensação de claustrofobia doméstica como um traço autoral de Chantal Akerman a partir da análise dos filmes Saute ma Ville (1968) e Jeanne Dielman (1975). Atualmente pesquisa a relação entre os ambientes domésticos nos filmes produzidos por mulheres, ou que tenham mulheres como protagonistas, com as pautas feministas e formas de fazer política.

Ficha do Trabalho

Título

    A casa no cinema de mulheres: o trabalho doméstico

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Resumo

    Em Baronesa (2017) e Olmo e a Gaivota (2014) percebemos uma centralidade do ambiente doméstico como cenário dos filmes. As casas das personagens são importantes para o compartilhamento de suas subjetividades, que a partir de seus aspectos interseccionais demonstram o caráter opressor e libertador que esse espaço pode ser para as mulheres. O trabalho doméstico, por ser um projeto de divisão sexual, é central para tal discussão, pois permite analisar a sua atuação em mulheres de classes distintas.

Resumo expandido

    A partir de um recorte de filmes que engloba diferentes mulheres, e diferentes contextos de doméstico, é possível enxergar as divergências nas formas de vida cotidiana das personagens, nas formas de trabalho doméstico, sejam remunerados ou não. O trabalho doméstico, mesmo que vivenciado em diferentes perspectivas, que devem ser abordadas a partir da interseccionalidade, nos permite analisar as diferenças entre as mulheres. A casa é problematizada ainda como um espaço de disciplina dos corpos, ao mesmo tempo que proporciona e visibiliza formas alternativas ao modelo hegemônico, patriarcal e capitalista.
    Diferente das abordagens exibidas em filmes como Jeanne Dielman, 23 Quai du commerce, 1080 Bruxelles (1975) de Chantal Akerman, nos filmes contemporâneos como Baronesa (2017) e Olmo e a Gaivota (2014), a casa além de um lugar onde as opressões e traumas tornam-se visíveis, também é exibida como um lugar de redes de afeto, de coletividade e de questionamento das divisões pautadas no sexo, sobretudo ao que envolve o trabalho doméstico.
    Segundo Eleni Varikas (1996) devemos perceber o doméstico, a família, como um projeto de divisão de trabalho a partir da sexualidade, em que a capacidade reprodutiva das mulheres é um ponto central para sua dominação, algo que autoras como Silvia Federici (2017) e Angela Davis (2016) vão associar a necessidade do sistema capitalista, que ao sair do modo feudal rearticula as noções de privado e público, assim como centraliza o poder no Estado.
    O “pessoal é político” utilizado pelos grupos da segunda onda feminista para denunciar o caráter estrutural de dominação expresso na vida cotidiana, na vida doméstica, ainda na contemporaneidade é um terreno fértil para a crítica feminista, pois ele nos permite questionar sobre a conexão entre estas relações de poder e o poder político. Observando essa via de mão dupla, na qual a experiência doméstica pode ser tanto libertadora como opressiva, tal e qual Patricia Hill Collins (2019) desenvolve sobre a experiência das mulheres pretas.
    Essa diferença de percepção do trabalho doméstico entre grupos de mulheres de classe e raça diferentes é algo que fica evidente entre os dois filmes, Baronesa e Olmo e a Gaivota. Pois, enquanto no primeiro a casa representa um lugar de refúgio, amizade, esperança, no segundo a casa é um lugar de aprisionamento, onde a personagem Olivia se sente trabalhando sozinha pelo casal, receosa pelos impactos que a gravidez e maternidade terão em sua vida profissional. Essas divergências decorrem dos contextos sociais e culturais que essas personagens estão inseridas. Enquanto Olivia, atriz italiana que vive em Paris, tenta fugir do projeto de família moderna e construir outras possibilidades de maternidade, as personagens Andrea e Leidiane, escancaram suas inadequações dentro desse projeto de família privada. As personagens de Baronesa demonstram não só as diferentes vulnerabilidades que vivenciam por morarem em uma favela de Minas Gerais, mas também formas coletivas de família e cuidado.
    Nesses filmes, como Baronesa e Olmo e a Gaivota, as casas dessas famílias nos possibilitam criar, ou imaginar, alternativas à noção tradicional, ao modelo patriarcal e capitalista, investindo nesse lugar do trabalho doméstico como afeto. Algo que foge aos modelos dominantes, como bell hooks (2019a) comenta. A forma como esses filmes enquadram a vida doméstica permite um olhar crítico à vida dessas personagens, algo que aproxima-se daquilo que bell hooks (2019b) chamou de olhar opositor, um olhar crítico diante das representações das mulheres pretas. Cenas que são formas de resistência, de existência de outras formas de vida que não estão estritamente dentro do projeto do patriarcado.

Bibliografia

    COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial, 2019.
    DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016
    FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Editora Elefante, 2017.
    hooks, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019. (a)
    ______________. “O olhar opositor: mulheres negras espectadoras”. In: Olhares Negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019. (b)
    VARIKAS, Eleni. “‘O pessoal é político’: desventuras de uma promessa subversiva”. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 2, no 3, 1996.