Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    RODRIGO CORREA DA FONSECA (UFF)

Minicurrículo

    Graduado em Letras pela Universidade Federal Fluminense e Mestrando em Cinema e Audiovisual no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, onde pesquisa a construção da atmosfera no audiovisual e na literatura.

Ficha do Trabalho

Título

    Ver o tempo: Atmosfera em Sophia de Mello e “Me chame pelo seu nome’’

Resumo

    O objetivo deste artigo é refletir acerca de um ponto de contato entre a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, poetisa portuguesa , e do longa-metragem “Me chame pelo seu nome”. Há, nas duas obras, a evidência da criação de uma atmosfera específica: um encontro com o sublime e uma – quase – sempre presente sensação do tempo que passa. Situando nossa pesquisa no campo dos estudos de presença, buscaremos observar a centralidade do olhar e do silêncio na construção dessa atmosfera.

Resumo expandido

    Há alguns pontos de contato entre a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, poetisa portuguesa do último século, e o longa “Me chame pelo seu nome”, dirigido pelo italiano Luca Guadagnino. Um deles, aquele que talvez primeiro salte aos olhos dos que entram em contato com as duas obras, é a inescapável presença de paisagens naturais: os personagens do longa e a voz poética dos poemas de Sophia estão sempre a passear por locais idílicos, como jardins, florestas, riachos e montanhas. No entanto, um contato mais atento com os dois objetos nos possibilita perceber outros elementos centrais em ambas as obras e aproximá-las ainda mais – o olhar e o silêncio parecem ter grande relevância na construção de uma atmosfera específica observada nos dois objetos artísticos.

    Nossa proposta de discussão de atmosfera está em consonância com os estudos da materialidade da comunicação, mais especificamente com os pensamentos do alemão Hans Ulrich Gumbrecht sobre produção de presença e Stimmung (2010). Em “Atmosfera, ambiência e Stimmung”, o autor apresenta um desdobramento de sua teoria geral, e destaca um potencial oculto da literatura e das artes como um todo: o conceito de Stimmung, que refere-se, ao mesmo tempo, a uma sensação interior e a uma “coisa objetiva que está em volta das pessoas e sobre elas exerce alguma influência.” (GUMBRECHT, 2014, p. 12). Termo de difícil tradução, podemos entendê-lo em português, como tom, ambiência, ou como preferimos aqui, atmosfera.

    A poesia de Sophia de Mello apresenta-se ao leitor como um irrecusável convite ao olhar: buscando não deixar-se capturar pelo tom confessional e sentimental que marca a obra de muitos poetas, a autora ocupa-se em construir, no poema, espaços e transferir para esses espaços as coisas do mundo. Sua poesia é uma poesia substantiva, que nomeia, e, ao nomear, evoca imagens: o mar, o jardim, a janela, a cadeira, a maçã que repousa sobre a mesa.

    Em sua poética do olhar, o gesto é, algumas vezes, coadjuvante, espécie de muleta para que o olhar se realize, e, outras, uma ameaça. Por isso, em Sophia, há uma constante busca pelo silêncio: este, em sua obra, além de ser uma ausência de sons, é, também, uma ausência de gestos, de movimento, de ação. Em Sophia, evita-se o gesto para que o olhar possa demorar-se e o encontro com as coisas do mundo nunca chegue ao fim. No entanto, diante de tal impossibilidade, o olhar lançado sobre as coisas do mundo acaba se tornando, também, um olhar que vê o tempo que passa – incessante e inescapável.

    Em ‘Me chame pelo seu nome”, que conta a história de uma amizade que vai tornar-se um romance de verão entre dois jovens, também o olhar e o silêncio parecem-nos centrais na construção da experiência estética. O silêncio, como em Sophia, não apenas enquanto ausência relativa de sons, mas, também, como uma diminuição na intensidade ou na recorrência dos gestos – movimento, ação. Ainda que haja um claro desenrolar narrativo, o filme não parece orientar-se totalmente em torno da construção de sua história, mas insere-se num contexto de filmes que prezam pelas sensações, pela experiência sinestésica do contato com as imagens do cinema, aproximando-se – ainda que talvez não inserindo-se por completo – no conjunto de narrativas audiovisuais que hoje chamamos de “cinema de fluxo”.

    No longa, como em Sophia, somos convidados a olhar personagens que olham: movido por enorme curiosidade, Elio passa grande parte do tempo observando Oliver, o recém chegado forasteiro. Mas ao olhar Oliver, e sua anunciada estadia de seis semanas, Elio acaba por ver o tempo que passa, ainda enquanto ele passa: um encontro que é também uma despedida anunciada. Em uma das cenas finais, pouco antes do adeus iminente, num quarto escuro e duplamente silencioso – não há ruídos, nem gestos – , Oliver observa Elio enquanto dorme: em seu rosto, um olhar de preocupação, pois contempla o tempo que se move inescapável e o conduzirá ao fim daquele encontro.

Bibliografia

    ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Poemas Escolhidos. Seleção e organização Vilma
    Arêas. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Tradução de Eloisa de Araújo Ribeiro. São Paulo:
    Brasiliense, 2013

    GIL, Inês. “O Som do Silêncio no Cinema e na Fotografia”. Babilónia – Revista Lusófona de
    Línguas, Culturas e Tradução. América do Norte, p. 177-185, set. 2012. Disponível em:
    http://revistas.ulusofona.pt/index.php/babilonia/article/view/2992. Acesso em: 07 Jul. 2015.

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Atmosfera, ambiência, Stimmung: sobre um potencial
    oculto da literatura. Tradução de Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora
    PUC-Rio, 2014.

    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido não consegue
    transmitir. Tradução de Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio,
    2010.

    “Me chame pelo seu nome”. Direção: Luca Guadagnino, Produção: James Ivory e outros.
    Itália: Warner Bros. Pictures, 2017, DVD.