Ficha do Proponente
Proponente
- Isaac Pipano Alcantarilla (Unifor)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação (PPGCOM UFF | Bolsa PDSE Capes | Paris 3) e professor da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). É um dos idealizadores do programa “Inventar com a Diferença: cinema, educação e direitos humanos”. Desde 2010, desenvolve pesquisas em torno de dispositivos audiovisuais e processos de formação. É co-autor do livro Cinema de Brincar, com Cezar Migliorin, com quem também dirigiu o filme Educação (2017).
Ficha do Trabalho
Título
- Do ponto de vista ao ponto de ver: camerar o cinema para sair de si
Seminário
- Cinema e Educação
Resumo
- Central nas teorias do cinema, o ponto de vista é um conceito ocularcêntrico que concebe o lócus privilegiado daquele que vê, a partir de um lugar estável e controlado, como epicentro do processo da criação cinematográfica. Questionar sua predominância e sua ênfase autoral parece-nos importante para a elaboração de conceitos renovados que possam melhor lidar com a produção de imagens e sons em ambientes educativos, nos quais a criação, com frequência, escapa à hipercentralidade individual.
Resumo expandido
- Na edição Le point de vue do material didático para docentes que integra a coleção L’Eden cinema, Alain Bergala escreve que o ponto de vista é essencial à toda pedagogia do cinema. É ele quem permite aproximar diferentes níveis da forma cinematográfica – os planos, as sequências e o filme, integralmente –, além de ser a maneira como o espectador se identifica aos personagens e à ficção. E, sobretudo, é uma questão de moral: o tratamento do ponto de vista num filme é um critério de avaliação da ética do cineasta em relação ao espectador. Finalmente, o ponto de vista é, sem dúvida, diz Bergala, a questão que atravessa a totalidade das fases de criação de um filme. A cada instante do processo de criação, o cineasta faz escolhas relativas ao ponto de vista, decisivas para o que o filme será e qual o lugar desejado para o espectador: “a reflexão sobre o ponto de vista articula, sem artifício ou esforço, a forma e o conteúdo do filme, sua estilística e seu discurso, a análise do detalhe e a análise do todo”. Mais adiante, no mesmo texto, Bergala afirma que, embora o ponto de vista adquira essa importância nos estudos cinematográficos, os trabalhos seguem emprestando seus conceitos das teorias literárias sem considerar a especificidade do contexto cinematográfico e igualmente sem distinguir o ponto de vista tratando-se ora no campo da ficção (onde é uma escolha definitiva e controlada pelo realizador); ora do documentário, no qual o ponto de vista estaria sob a contingência do real, sendo por ele atravessado. Para Bergala, as teorias falham à medida que definem o ponto de vista em função quase que exclusivamente do eixo da câmera, sem considerar os outros inúmeros fatores que lhe compõem. Para atacar o problema, Bergala oferece em seu material uma curadoria de filmes e sequências que tratam de pensar a questão do ponto de vista a partir dos extratos – entretanto, sem tratar os fragmentos como ilustrações do que a teoria almeja demonstrar. A diferença é de tamanho, Bergala escreve: entre o desejo de provar as ideias já elaboradas convocando os extratos adequados ao seu uso; ou aquele de procurar, de maneira aberta e viva, isso o que os fragmentos do filme nos dão a ver como ideias e conceitos sobre essa delicada e crucial questão do ponto de vista no cinema.
Estimulados pelo seu método de partir dos filmes para, com eles, forjar novos conceitos, gostaríamos de tomar o filme Conselheiro Crispiniano (2016), de Yudji Oliveira, curta-metragem disparador de toda uma nova reflexão que complexifica o modo como as teorias têm argumentado sobre o ponto de vista, dentre elas, a teoria formulada pelo próprio Bergala.
Para tanto, gostaríamos de sugerir um caminho extravagante, assumindo que uma ética da imagem conectada ao ponto de vista como princípio ontológico, estará fadada a sucumbir sob o jugo da representação ao atrelar-se ao regime escópico. De modo que, se o que determina a ética da imagem é o ponto de vista, somente desfundando-o como perspectiva privilegiada de onde se pode ver e saber – arruinando o lócus identificador do sujeito – é que estaremos efetivamente nos abrindo a uma pedagogia das imagens não subordinada pelos imperativos da representação: à procura de uma ética sem fundamento.
Como coloca Sandra Alvarez de Toledo (seguindo as pistas de Deligny…), aquele que tem um ponto de vista ocupa uma posição – posição esta que só pode ser localizada no mundo da linguagem. É por isso, então, que ela sugere uma substituição, a partir da mesma preferência pelo uso dos infinitivos adotada por Deligny. Em vez da ditadura do ponto de vista, o agenciamento de um ponto de ver.
Bibliografia
- DE TOLEDO, Sandra Alvarez. Point de Vue / Point de Voir. Cadernos Deligny, v. 1, n. 1, p. 88–98, 2018.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi; Roberto Machado. Rio de Janeiro : São Paulo: Paz e Terra, 2018.
DULAC, Germaine. The Essence of Cinema: The Visual Idea. In: SITNEY, P. Adams (Org.). The Avant-garde film: a reader of theory and criticism. New York: New York University Press, 1978. (Anthology film archives series, #3).
DUSSEL, Inés. The Assembling of Schooling: Discussing Concepts and Models for Understanding the Historical Production of Modern Schooling. European Educational Research Journal, v. 12, n. 2, p. 176–189, 2013.
ELSAESSER, Thomas; HAGENER, Malte. Teoria do cinema: uma introdução através dos sentidos. Campinas: Papirus, 2018.
LEANDRO, Anita. Posfácio – uma questão de ponto de vista. Revista Contemporânea de Educação, v. 5, n. 10, p. 80–86, 2010.
MIGLIORIN, Cezar; PIPANO, Isaac. Cinema de brincar. Belo Horizonte: Relicário, 2019