Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Guiomar Pessoa de Almeida Ramos (ECO/UFRJ)
Minicurrículo
- Guiomar Ramos, professora associada de Graduação e de Pós-Graduação no PPGMC, ECO/UFRJ. Coordena o grupo de extensão Cinerama Cineclube da Praia Vermelha. Publicou entre outros “Um cinema brasileiro antropofágico (1970-74)” (FAPESP, 2007) e “Fragmentos de uma história do Cinema Experimental Brasileiro” com Lucas Murari in Nova História do Cinema Brasileiro, vol.2. (2018) Documentarista, dirigiu os curtas Pixador (2000), Café com leite (água e azeite?) (2007) e o longa Por parte de Pai, (2018).
Ficha do Trabalho
Título
- Triste trópico e a peste de Antonin Artaud
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Resumo
- Trazer à tona a Antropofagia Cultural como um procedimento do Cinema Experimental, através do longa Triste tópico, 1974, Arthur Omar, apontando para a proposta de Antonin Artaud, presente em O teatro e a peste. Apontar para uma forma fílmica repleta de intertextualidade e foundfootage destacando o percurso de três metáforas que perpassam esse filme emblemático com ecos sobre o cinema brasileiro do final dos anos 60/70: a antropofagia oswaldiana, a carnavalização bakhtiniana e a peste artaudiana.
Resumo expandido
- Através de Triste tópico, 1974, de Arthur Omar, trazer à tona junto a Antropofagia Cultural uma outra proposta de metáfora presente no texto “O teatro e a peste”, de Antonin Artaud. Destacar uma forma fílmica repleta de intertextualidade e foundfootage, dentro da tradição do Cinema Experimental, onde através da metáfora canibal chegamos a um corpo doente. O cinema brasileiro no final dos anos 1960 resgata a antropofagia oswaldiana que tem como base a carnavalização e o riso, no método canibal (paródia, colagem e citação) o resultado esperado é o escracho e o reaproveitamento de seu sentido de maneira invertida. Nos filmes do Cinema Marginal da virada para os anos 1970 (e alguns do Cinema Novo) essa apropriação não vai ser possível e a partir da inspiração do Teatro da Crueldade, de Artaud, vamos detectar uma alegoria da desilusão e da desesperança, próprias da vivência desses filmes frente às agruras da ditadura militar. Triste trópico dialoga diretamente com esse momento, apresentando a trajetória messiânica do médico dr. Arthur através de imagens literais do canibalismo tupinambá, da menção ao próprio Oswald de Andrade, à carnavalização como método e as imagens do carnaval em si. Porém, há uma desmontagem dos textos dos cronistas do descobrimento e de historiadores, e as citações a doenças, como a malária, tuberculose, tifo, etc, anúncios de remédios e tonificantes dos anos 1920, tomam conta. Esse universo que nos traz o enfermo e o debilitado se liga a proposta trazida pelo texto de Artaud. O ponto ápice do longa de Omar culmina na morte trágica do protagonista, na descrição de seu cadáver há citações a trechos do texto de Euclides de Cunha, de Os Sertoes, do corpo de Antonio Conselheiro: “Removida a breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol, (…) o corpo do famigerado e bárbaro médico. Estava hediondo…cabelos arrancados, a pele estava esfolada, as veias rasgadas, os nervos estirados, os ossos desconjuntados. Desenterraram-no cuidadosamente, fotografaram-no depois resolveram porém cortar e guardar a cabeça, levaram aquele crânio para que a ciência dissesse a última palavra; ali no relevo de suas circunvoluções cerebrais, os cientistas constataram as linhas essenciais do crime e da loucura.” A presença constante desse vocabulário clínico nos remete ao texto de Artaud, que tem um teor médico quando descreve minuciosamente os efeitos da peste sobre o corpo atingido de forma tão violenta que o doente morre sem ter seus órgãos danificados. Para o dramaturgo é como se o corpo tivesse sido tocado em sua matéria, mas, não em sua consciência e vontade. “Antes de se caracterizar qualquer mal-estar físico ou psicológico, espalham-se pelo corpo manchas vermelhas……seu estômago se embrulha, o interior de seu ventre parece querer sair pelo orifício dos dentes (…) o pulso batendo através de golpes precipitados como seu coração … o olho vermelho incendiado e depois vítreo; a língua que sufoca, enorme e grossa, primeiro branca depois vermelha e depois preta, tudo isso anuncia uma tempestade orgânica sem precedentes… sob as axilas aparecem bubões, através dos quais o organismo descarrega ou sua podridão interior ou, conforme o caso, sua vida. Aberto, o cadáver do pestífero não mostra lesões (…) não há nem perda nem destruição de matéria…os próprios intestinos, lugar dos distúrbios mais sangrentos…não estão organicamente atacados (…)o pestífero não apresenta apodrecimento de qualquer dos seus membros.” (Artaud, 1993). A metáfora de Artaud para pensar um novo ator, mostra sua força no embate com uma doença que faz com que seus órgãos funcionem com capacidade máxima – sem se destruírem – mas, também, sem se regenerarem, sem estarem capacitados para fazer com que a pessoa se mantenha viva. Como traçar paralelos entre o vocabulário clínico, o corpo atormentado, alegoria de um Brasil atual, com o filme de Omar, e com as novas possibilidades de linguagem advindas desse universo.
Bibliografia
- ALBERA, F. Modernidade e Vanguarda do Cinema. RJ: Beco do Azougue, 2012.
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago in Jorge Schwartz, Vanguardas latino-americanas. SP: Iluminuras/FAPESP. 1995.
ARTAUD, Antonin, “O teatro e a peste” in O teatro e seu duplo. Antonin Artaud. SP. Martins Fontes, 1993
NETTO, Adriano Bitaraes, Antopofagia oswaldiana um receituário estético e científico, Annablume, 2004.
RAMOS, Guiomar, Um cinema brasileiro antropofágico? (1970-74), Fapesp, Annablume, 2008.
REVISTA DE ANTROPOFAGIA. SP: Abril/Metal Leve. Edição fac-similada. 1975.