Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Paulo Souza dos Santos Junior (UFPE)

Minicurrículo

    Paulo Souza dos Santos Júnior é doutorando em Comunicação no PPGCOM-UFPE. Professor da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFPE (2018). Especialista em Fotografia e Audiovisual pela UNICAP (2017). Graduado em Fotografia também pela UNICAP (2015). Pesquisador, fotógrafo documental e realizador audiovisual de Recife.

Ficha do Trabalho

Título

    Personagem-câmera: a lucidografia de Resident Evil 7: Biohazard

Seminário

    Estética e plasticidade da direção de fotografia

Resumo

    O presente estudo se dedica a investigar regimes imersivos audiovisuais a partir da análise da fotografia de uma cena do game Resident Evil 7: Biohazard (Koshi Nakanishi, 2017). Partindo de conceitos como hipercinema, realocação e continuidade intensificada, buscamos descrever a constituição de um particular regime de agenciamento, onde o espectador passa a ter controle da movimentação espacial da câmera em cena, atendendo o contemporâneo desejo de participação e interação nas mídias digitais.

Resumo expandido

    O presente estudo se dedica a investigar regimes imersivos audiovisuais a partir da análise da fotografia de uma cena do game Resident Evil 7: Biohazard (Koshi Nakanishi, 2017).
    Para lastrear nossa análise gostaríamos de estabelecer alguns operadores teóricos. O conceito de hipercinema (LIPOVETSKY e SERROY, 2015, p. 33), nos parece adequado para compreender o fenômeno audiovisual contemporâneo calcado nos “prazeres abstratos da onipotência assegurados pelas intensidades aceleradas” (LIPOVETSKY, 2015, p. 85). Esse corpo espectatorial hipermoderno passa a reivindicar a autonomia nas escolhas, desejo pela participação e pela experiência personalizada. A intensificação de efeitos nos parece dar continuidade ao descrito por Bordwell (2002, p. 16) como “continuidade intensificada”, quando investigou incrementos no repertório de técnicas e estilos cinematográficos para criação de efeitos “em direção a uma experiência fílmica cada vez mais visceral e intensa” (CARREIRO, 2014, p. 2). Ao resgatar um conceito da teoria do cinema para estudar a fotografia de um game, apontamos para a clara hibridização desses meios, em um fenômeno que Casetti (2015, p. 38), nomeia por realocação. O cinema realocado não é integralmente cinema, é uma nova configuração que, apesar da diferença, continua cinematográfica.
    Para tratar dessa hibridização fotográfica faremos uso do neologismo de Walther (2004), lucidografia, que busca abarcar a relação entre os games (ludologia) e os filmes (cinematografia). A lucidografia, ao buscar compreender essas relações de mútua influência entre mídias, nos parece especialmente útil para iluminar um particular segmento do game em análise. Resident Evil é uma popular franquia de jogos, originada em 1996, que já conta com dezenas de versões, além de ramificações para outras mídias, como o próprio cinema. O jogo analisado é ambientado em uma mansão rural, aparentemente abandonada, habitada pela família Baker. Na história, Ethan Winters receber uma mensagem de sua esposa, desaparecida há alguns anos, Mia. O protagonista resolve, então, empreender uma busca por seu paradeiro. O jogo tem claras inspirações em filmes como O Massacre da Serra Elétrica (1974) e A Bruxa de Blair (1999). Em um dado momento da exploração da mansão, Ethan se depara com uma sala onde encontra uma fita de vídeo e, ao reproduzir seu conteúdo no aparelho de videocassete, a diegese do game entra em um flashback, onde o protagonista vai acompanhar alguns eventos supostamente documentados em vídeo.
    É apresentada uma história linear, os eventos narrativos, as falas, as interações, são todas preestabelecidas e se desenrolam como em um filme qualquer. O que singulariza a experiência é a capacidade desse jogador-espectador de assumir o controle total da câmera por todo o espaço diegético enquanto a narrativa se desenrola. Ou seja, o jogador, que supostamente está assistindo a um vídeo, pode escolher seu ponto de vista livremente, acompanhando as ações de perto, longe, em outro cômodo, enquadrando ou não os personagens. Dessa forma, ainda que exista uma linearidade e uma programação narrativa estruturada, a experiência visual é singular e nunca se repete a cada nova interação com o game. Resident Evil 7, nos apresenta, dessa forma, uma narrativa fílmica tradicional expandida em uma ruptura espacial, onde o controle absoluto da câmera está nas mãos do jogador. A fotografia, como em todo game 3D, projeta a luz e sua interação com o espaço e artefatos, mas o controle do plano, movimento, enquadramentos, estabilidade, é todo delegado ao espectador.
    A lucidografia de Resident Evil 7 se situa em uma interseção entre games e cinema e aponta para uma possibilidade concreta de expansão da experiência imersiva do cinema a partir de dispositivos de interação já disponíveis, como o controle remoto e televisão. Compreendemos que é urgente mapear e compreender tais implicações para a fotografia em uma era onde a câmera se torna muito mais um conceito que um artefato material.

Bibliografia

    BORDWELL, David. Intensified continuity visual style in contemporary American film. Film Quarterly, v. 55, n. 3, p. 16-28, 2002.
    CARREIRO, R. A autoria no cinema da continuidade intensificada: o caso de Sergio Leone. Lumina, v. 8, n. 2, dez. 2014.
    CASETTI, Francesco. The Lumière galaxy: Seven key words for the cinema to come. Columbia University Press, 2015.
    LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A tela global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna. Porto Alegre: Sulina, p. 49, 2009.
    LIPOVETSKY, Gilles. Tempo Contra Tempo ou A Sociedade Hipermoderna. In: CHARLES, Sébastien; LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Lisboa: Edições 70, 2015.
    WALTHER, Bo Kampmann. Cinematography and ludology: In search of a Lucidography. Dichtung Digital, v. 31, n. 1, 2004.