Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Arruda Carneiro da Cunha (UFPE)

Minicurrículo

    Mariana Cunha é pesquisadora em estágio de pós-doutorado (PNPD/CAPES) e atua como professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE. Tem doutorado com foco em Cinema Brasileiro e mestrado em Teoria Crítica pelo Birkbeck, University of London (Reino Unido).

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema submerso: visualidades hidrográficas da Amazônia

Seminário

    Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas

Resumo

    O trabalho busca cotejar um conjunto de obras (de caráter experimental, etnográfica e ficcional) que retratam paisagens hidrográficas da Amazônia e florestas em processo de desaparecimento. A partir de uma reflexão sobre a “floresta ocupada” (Gómez-Barris, 2020) e “geografias esgotadas” (Rogoff, 2010), questiono como essas imagens criam novas formas de coexistência entre humanos e não-humanos (o mundo animal, vegetal e elemental) num mundo em crise, e que visão de natureza atravessa as imagens.

Resumo expandido

    Essa proposta deriva da pesquisa que desenvolvo no meu estágio de pós-doutorado (PNPD/CAPES), na qual busco tecer uma relação entre natureza e afeto no cinema e nas artes visuais contemporâneas. O objetivo é entender como o cinema se vale de um “pensamento ecológico” (Morton, 2010) na construção de imagens da natureza e do não-humano. No presente trabalho, questiono até que ponto artistas e realizadores têm considerado, direta ou indiretamente, questões relacionadas à intensificação da crise ambiental global, resultantes da expansão de práticas de exploração econômica e do chamado “Antropoceno colonial” (Gómez-Barris, 2020, 102). As obras aqui consideradas
    distanciam-se de representações simbólicas de paisagens naturais e mergulham na materialidade da própria imagem e da natureza.
    Busco cotejar um conjunto de imagens em movimento (que incluem filmes de caráter experimental, etnográfica e ficcional), cujo foco são paisagens hidrográficas (fluviais, inundadas ou submersas) da Amazônia, que criam imagens de uma floresta em processo de desaparecimento, ao passo que expõem formas de coexistência que vão de encontro à fórmula frequentemente proferida de um “mundo inabitável” (Wallace-Wells, 2019). Tomo como base a discussão proposta por Macarena Gómez-Barris sobre a “floresta ocupada”, que define como “um espaço afetivo de confusão, elisão e desaparecimento” (2020, 101). Gómez-Barris (2020, 102) argumenta que a “dialética de eliminação e negação, a pulsão de morte do capital, e a força vital daqueles que resistem a suas incursões” está “no centro da floresta ocupada”.
    Nesse sentido, minha apresentação tem como ponto de partida a obra Iara (2021, Reino Unido) do coletivo artístico Invisible Flock, que reconstrói o ciclo de vida da Macacaricuia, árvore milenar que sobrevive grande parte do ano submersa devido às cheias do igapó. Essa reconstrução é uma tentativa de entender “como seu ciclo está sendo afetado pelas mudanças climáticas e como as hidrelétricas estão alterando o pulso de inundação natural de seu habitat” (Invisible Flock). A partir da reflexão que essa obra nos apresenta sobre ciclos climáticos naturais e os efeitos de fatores antropogênicos no meio ambiente, proponho uma discussão das noções de desaparecimento e submersão nas seguintes obras: Los Silencios (Beatriz Seigner, 2018, Brasil), longa-metragem de ficção cuja locação é uma ilha na fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru, e cuja cheia cíclica anual deixa parte da ilha submersa; Dead Forest (Charly Nijensohn, 2009, Argentina), vídeo criado em torno das consequências da construção da usina hidrelétrica de Balbina no Amazonas; e Água forte (Mónica Baptista, 2019, Portugal), vídeo ensaio realizado no curso de um rio amazônico, que observa suas povoações e suas formas de habitar, articulando mitologias sobre a criação do mundo à imersão na própria sensorialidade dos elementos da floresta submersa.
    Respeitando os estilos, formatos e experiências de cada obra, nota-se uma atenção aos ritmos e movimentos cíclicos das estações, que colocam em evidência as materialidades relacionadas a fenômenos meteorológicos. De fato, a relação entre o cinema e fenômenos meteorológicos – já discutida por exemplo por P. Adams Sitney (1993) – sugere uma convergência com a ideia de paisagem sublime. No entanto, as obras aqui observadas expõem as contradições da fragilidade dos humanos diante da natureza. Além disso, trazem elemento da água como estruturante para uma imaginação radical de novas formas de coexistência entre humanos, não-humanos (o mundo animal, vegetal e elemental) num mundo em crise ou como resgate de narrativas para “uma sobrevivência colaborativa em tempos precários”, como coloca Anna Tsing (2015, 2). Por fim, a partir de uma observação das formas de submersão e desaparecimento presentes nas imagens, proponho incorporar a noção de geografia esgotada (Rogoff, 2010) a fim de questionar que visão de natureza e que regime de visualidade atravessam as imagens.

Bibliografia

    Gómez-Barris, Macarena. 2020. “The Occupied Forest”, Afterall: A Journal of Art, Context and Enquiry, 49:101-106.

    Invisible Flock. 2021. Iara. https://invisibleflock.com/portfolio/iara/

    Morton, Timothy. 2010. The Ecological Thought. Cambridge, MA: Cambridge University Press.

    Rogoff, Irit. 2010. Exhausted Landscapes. Crossing Boundaries Symposium. Institute
    for International Visual Arts, Londres. https://www.youtube.com/watch?v=GzWwX6BAGh4

    Sitney, P. Adams. 1993. “Landscape in the Cinema: The Rhythms of the World and the Camera”. In Salim Kemal e Ivan Gaskell (orgs.), Landscape, Natural Beauty and the Arts. Cambridge: Cambridge University Press.

    Tsing, Anna. 2015. The mushroom at the end of the world: On the possibility of life in capitalist ruins. Princeton: Prince-ton University Press. 

    Wallace-Wells, David. 2019. The Uninhabitable Earth: Life After Warming. Nova York: Tim Duggan Books.