Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael de Amorim Albuquerque e Mello (UFMG)

Minicurrículo

    Mestrando na linha Pragmáticas da Imagem pela Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisa diálogos entre cenários de disputa em mídias independentes contemporâneas com o Nuevo Cine Latino. É jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco, com trabalhos e pesquisas na área de cinema documentário e edição de vídeo.

Ficha do Trabalho

Título

    Processos e formas coletivas de cine em Marta Rodríguez e Jorge Silva

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Resumo

    A partir de diálogos entre Chircales e Nuestra Voz de Tierra, Memória y Futuro propõe-se uma investigação dos autores, no que diz respeito às suas formas e processos, tomando como referência a ideia de coletivo nas respectivas experiências. Seguindo o método para América Latina proposto pela cineasta, temos como hipótese de partida que da vivência continuada junto às lutas comunidades filmadas emanaria uma das principais forças políticas dos filmes, ao configurar um coletivo de cinema.

Resumo expandido

    Ao realizar Chircales, denunciando as condições sociais desumanas das famílias dedicadas à fabricação de tijolos ao sul de Bogotá, os documentaristas Marta Rodríguez e Jorge Silva burlam a vigilância dos capatazes e entram em contato com os trabalhadores. Marta detalha certo desconforto da comunidade com os dois desconhecidos chegando com “máquinas de fazer imagens”. Desse encontro fílmico, considerando que a America Latina nasce de encontros forçados que se atravessam, a realizadora diz que se criava uma metodologia própria para o continente, marcada pela busca por uma alteridade coletiva que penetrasse os processos e formas fílmicas (RODRÍGUEZ, 2017, p. 121).
    Nuñez e Tedesco (2015) apontam que uma das linhas de trabalho dos cineastas é o método construído por eles a partir da convivência com as comunidades, classificado por Marta como ideal, enquanto uma segunda linha seria ligada à urgência e contra-informação. Vamos nos concentrar nos processos coletivos envolvidos em Chircales e Nuestra Voz de Tierra, Memória y Futuro, o primeiro produzido em seis anos (1966-1972) e o segundo em oito (1974-1982), buscando modulações sobre as feituras coletiva nos filmes.
    Chircales foi o trabalho inaugural da dupla e, mesmo que seja marcado por um longo processo coletivo de observação participante, em suas imagens os trabalhadores estão presos nas rotinas exaustivas da confecção de tijolos ou nos símbolos alienantes de suas crenças religiosas – o que “escapa”, assim, não ultrapassa olhares de relance para a câmera. O filme parece consciente disso. Primeiro, pela produção muito condicionada à fiscalização de capatazes, o que dificultou principalmente a gravação das cenas de trabalho. Chircales parece “compensar” a ausência de uma auto-mise-en-scène manifesta nas imagens pelo som, que apresenta momentos de entrevistas com os trabalhadores, além de uma voz do saber em off. Já Nuestra Voz… convive com o processo de fortalecimento do Conselho Regional Indígena de Cauca. O som direto aparece de maneira decisiva, na presença marcante dos depoimentos e narrações indígenas que conduzem a narrativa – nesse sentido, a voz do saber dá um passo atrás para que se destaquem as vozes múltiplas dos habitantes de Cauca. O projeto do filme, aliás, nasceu de reivindicação dos indígenas após a má recepção destes de Campesinos, que na avaliação local misturou as duas populações como uma só. Por isso a importância de que o coletivo de cinema ganhe força não só na integração dos filmados aos processos, mas também que surja sem solapar as diferenças a partir da consideração às múltiplas vozes.
    Podemos pensar a coletividade nos filmes desde a construção do roteiro à participação na ilha de edição. Assim, a partilha entre cineastas e filmados surge na vivência e na forma, como nas caminhadas e manifestações políticas, testemunhos e situações encenadas. Ou seja, na criação compartilhada, o filme não apenas fica sensível aos mundos, conhecimentos e epistemologias dos povos, mas é feito por estes. Com protagonismo decisivo na narrativa, surge a encenação de mitos e saberes cosmológicos locais, como o mito de La Huecada. Em contínuo movimento, a encenação desconstrói os símbolos coloniais, ao passo que o filme busca diferentes formas de construir um discurso sobre a terra, ligado à visão indígena e camponesa, em que é fonte de saber, de identidade e da própria vida.
    Novamente, olha-se de relance para a câmera, desta vez na iminência da retomada de terras ao romper a cerca das fazendas. Olhar à câmera como desdobramento do processo coletivo, ao se assumir o filme como máquina de luta e fábrica de memórias. As lentes da câmera também são espelhos que refletem os ritmos da vida não a partir de uma cópia, mas do movimento e da luta por memória e história. Pois, no método dos realizadores, o passado é um ponto de sonho e reconstrução. A metodologia para o continente faz aparecer os rostos não vistos em direção ao que Garcia Espinosa chama de “revolução de rostos feios”.

Bibliografia

    AVELLAR, José Carlos. A ponte clandestina: teorias do cinema na américa latina. Rio de Janeiro/São Paulo: 34/Edusp, 1995. 320 p.
    GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade, trad. de Enilce do Carmo Albergaria Rocha. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.
    GÓMEZ, Pedro Pablo. Marta Rodríguez, descolonizando la representación documental latinoamericana. Estudios Artísticos: revista de investigación creadora, 2017.
    GUIMARÃES, César Geraldo; FLORES, Luís. A retomada crítica da história indígena em Nuestra voz de tierra, memoria y futuro. Logos, [S.l.], v. 27, n. 3, jan. 2020.
    HOYOS, Diogo Léon apud MORA, Angelica Mateus. Lo indígena en el cine y vídeo colombianos: panorama histórico. Cuadernos de cine colombiano n. 17 A. Cine y video indígena: del descubrimiento al autodescubrimiento. Bogotá: Cinemateca Distrital-IDARTES, 2012.
    NUÑEZ, Fabián Rodrigo Magioli; TEDESCO, Marina Cavalcanti. Método fílmico e estética em Marta Rodríguez e Jorge Silva. Revista Imagofagia, n12. 2015.