Ficha do Proponente
Proponente
- Maíra Tristão Nogueira (HU)
Minicurrículo
- Maíra Tristão é mestre em Cinema e Televisão pela Universidade Nova de Lisboa e bracharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo. Recentemente, foi aprovada na bolsa de doutorado pleno do DAAD/CAPES (2021-2025) para realizar a sua pesquisa no departamento de Estudos Culturais e Cinematográficos na Humboldt University, Berlim. Seus interesses de pesquisa envolvem questões de gênero e decolonialidade no cinema. Também atua como diretora e produtora audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- O coletivo mexicano Cine Mujer e a sua importância socio-política
Seminário
- Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva
Resumo
- A partir de uma análise estética e social dos filmes Cosas de mujeres (1978) e Rompiendo el silencio (1979), dirigidos pela diretora mexicana Rosa Martha Fernandez e produzidos pelo Colectivo Cine Mujer, este estudo aborda a importância da formação dos coletivos de cinema de mulheres para elaboração de uma linguaguem feminista no cinema contemporâneo latino-americano na década de 1970. Para tanto, esta comunicação conecta os estudos pós-coloniais, o cinema contemporâneo e os estudos feministas.
Resumo expandido
- O período entre os anos 1970 e início dos anos 1980 foi marcado por pequenos coletivos de articulação de mulheres trabalhadoras do cinema em diversos países da América Latina. O intuito desses coletivos era discutir as representações das mulheres na indústria cinematográfica, além de organizar festivais, mostras e debates. Como dispositivo para reforçar a memória e o não esquecimento, as mulheres criaram espaços para viabilizar seus trabalhos, trocar informações e saberes. No México, em 1975, o coletivo Cine Mujer (1975-1987) nasceu centrado nas questões feministas, emancipadoras e políticas. Os filmes foram realizados em 16mm e dirigidos pelas alunas do Centro Universitário de Estudos Cinematográficos (Cuec) da Universidad Nacional Autônoma do México (Unam), abordando temas tabus, como aborto, trabalho doméstico, violência contra a mulher e prostituição. O grupo se desenvolveu com uma equipe de mulheres que ocupou todas as funções dentro da indústria cinematográfica (SAN MARTIN, 2008).
O Colectivo Cine Mujer contestava a abordagem das mulheres no cinema, tanto no cinema tradicional hollywoodiano, como no cinema de vanguarda. O compromisso político delas dialogava com o documentário social, entretanto apresentava novas possibilidades, rompendo normas em termos de conteúdo, convenções estéticas e representatividade das mulheres. O coletivo tinha uma preocupação em aumentar a consciência das mulheres no país. Para isso, era fundamental encontrar estratégias para alcançar e estabelecer conexões com as trabalhadoras e com mulheres de diferentes classes e etnias. Elas acreditavam no audiovisual como dispositivo de conscientização e disseminação dos ideais feministas e da luta por igualdade de gênero.
Nesse comunicação pretendemos analisar dois filmes produzidos pelo coletivo Cine Mujer, Cosas de mujeres (1978), sobre aborto, e Rompiendo el silencio (1979), com ênfase no estupro, obras que misturam estratégias e convenções de ficções e documentários. Analisaremos a importância da criação coletiva entre as mulheres para produção de documentários e qual é o impacto desses filmes na conscientização social. Dessa forma, refletiremos sobre o crescimento dos feminismos na América Latina na década de 1970 e de que maneira afetou a organização coletiva das mulheres no audiovisual. Ou seja, os filmes funcionam como espaço de reivindicação, do “pessoal enquanto político”. Como afirma Costa (2005), quando o movimento feminista traz para o espaço político questões que eram vistas e tratadas no âmbito privado, há uma quebra da dicotomia público-privado, base do pensamento liberal do poder político. O pensamento liberal instaura como público tudo o que pertence ao Estado e às instituições políticas, sendo o privado aquilo que pertence à família, à vida privada e à sexualidade. O movimento feminista, ao levantar essa bandeira, chama a atenção para o caráter público da opressão vivenciada na individualidade do universo privado e identifica como política sua violência.
As duas obras mencionadas misturam estratégias e convenções de ficções e documentários: uma linha narrativa ficcional guia a espectadora, ao mesmo tempo entrevistas, dados estatísticos, fotografias e matérias de jornal produzem um efeito de realidade, um senso de conexão com um evento real, que legitima o documentário como uma fonte verossímil de conhecimento quando comparamos com uma ficção (SEPÚLVEDA, 2014). Cosas de mujeres (1978) e Rompiendo el silencio (1979) são filmes manifestos e foram exibidos como parte das atividades das campanhas em favor da descriminalização do aborto (SEPÚLVEDA, 2014). Além disso, ambos propõe romper o silêncio, tornar públicos assuntos tabus e silenciados. O silenciamento da violência e da opressão aos corpos femininos foram marcas deixadas por um sistema que, durante séculos, reprimiu as liberdades das mulheres. Romper o silêncio, falar, sair do privado, são características-chave das militâncias do coletivo Cine Mujer.
Bibliografia
- COSTA, Ana Alice. O movimento feminista no brasil: Dinâmicas de uma intervenção politica. Revista Labrys, Estudo Feminista/Études Fémistes, Brasília, v. 7, 2005.
SAN MARTIN, P. Torres. Mujeres y cine en América Latina. Editorial de la Universidad de Guadalajara, Guadalajara. México, 2004.
SAN MARTIN, Patricia T. Mujeres detrás de cámara. Una historia de conquistas y victorias en el cine latinoamericano. Revista Nueva Sociedad, n. 218, nov-dez, 2018.
SEPÚLVEDA, Gabriela A. “Mujeres que se visualizan”: (En gendering archives and regimes of media and visuality in post-1968. Tese (Doutorado em estudos históricos) – University of British Columbia.Vancouver, Canada, 2014.