Ficha do Proponente
Proponente
- osmar gonçalves dos reis filho (UFC)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação pela UFMG com bolsa-sanduíche na Bauhaus-Universität e pós-doutor em Cinema e Arte Contemporânea pela Sorbonne Nouvelle – Paris 3, com apoio da Capes. É Professor Associado do PPGCOM-UFC, concentrado principalmente nas áreas de fotografia, teoria da imagem e estética do audiovisual. É Diretor Científico da Compós e líder do IMAGO – Laboratório de Estudos de Estética e Imagem. Entre 2017 e 2019, foi coordenador do ST Interseções Cinema e Arte da Socine.
Ficha do Trabalho
Título
- Entre o jogo e a experimentação: o lúdico na fotografia contemporânea
Mesa
- Hibridismos e formas impuras: temporalidades e estéticas da imagem
Resumo
- Nos últimos anos, a fotografia conquistou uma autonomia inimaginável em termos de linguagem e expressão. Ela estendeu-se em novas direções, teceu relações renovadas com as artes e com outros campos culturais, redefinindo radicalmente nossa maneira de entender e lidar com o meio. Boa parte dessa renovação, a um só tempo estética e politica, se deve ao lugar que o conceito de lúdico tem ocupado nas obras de fotógrafxs contemporâneos. Gostaríamos de problematizar aqui algumas dessas questões.
Resumo expandido
- Na iminência de completar duzentos anos de história, a fotografia atravessa mais um ciclo de grandes transformações. A popularização definitiva da máquina digital, das câmeras acopladas aos celulares e dos inúmeros dispositivos de tratamento e simulação numérica da imagem são apenas alguns dos aspectos dessa mudança – sem dúvida, os mais estudados até o momento. Outra alteração menos visível e alardeada diz respeito aos regimes de visualidade, aos modos de “escrita” e pensamento que a fotografia vem adotando na atualidade. Ao que parece, uma nova “língua” fotográfica está emergindo, um novo projeto estético e político vem sendo colocado em prática nas obras de artistas e fotógrafxs contemporâneos.
Se a fotografia esteve durante décadas atrelada à mística do “momento decisivo”, à ideia do meio como uma arte de captura, um dispositivo essencialmente ligado ao instante do clique, ao momento mágico do corte, hoje ela finalmente se desprende dessa fórmula, estabelecendo relações renovadas com a imagem e com o mundo. Atualmente, está claro que o dispositivo fotográfico é muito mais do que uma simples “máquina de ver”, um instrumento cuja tarefa principal seria restituir as formas de um mundo preexistente, produzir, segundo André Rouillé (2009), “imagens de captura”. Uma nova geração – chamada pela crítica de geração 00 – tem transformado radicalmente o meio fotográfico, expandindo suas potencialidades, suas formas de escrita e expressão, através de uma intervenção mais direta e traumática sobre o código.
De fato, vivemos um momento em que se afirma a possibilidade de uma expressão mais intimista e libertária por parte dos fotógrafos. Momento em que a fotografia se apresenta como um território de invenção, uma trama complexa e instável aberta aos domínios da ficção e do imaginário, e no qual ela é tomada, sobretudo, por sua capacidade de produzir novas realidades, de pôr em movimento acontecimentos inesperados, encontros que estabeleçam relações inéditas com as imagens e com o mundo.
Como sempre, este não é um fenômeno absolutamente novo. De certa forma, ele já existia em estado embrionário nas experiências modernistas, nas vanguardas históricas dos anos 1920, em especial em suas vertentes construtivistas e surrealistas. Mas expoentes da fotografia em diversas áreas da cultura apontam para uma cristalização desse processo. Em outras palavras, o que a princípio aparecia como experiência limítrofe ocupa agora a prática dominante da fotografia.
No Brasil, por exemplo, os trabalhos mais significativos produzidos ao longo das duas últimas décadas tiram toda sua força e beleza desse processo de renovação, a um só tempo, estético e político. Obras amplamente reconhecidas como as de Cássio Vasconcelos, Cláudia Jaguaribe, Kenji Otta, Rosângela Rennó, Miguel Rio Branco, Alexandre Sequeira e Eustáquio Neves tomam a fotografia como um processo a ser reaberto. Operando uma intervenção mais direta sobre o código, esses fotógrafos procuram abrir novas possibilidades do fotográfico, ainda reprimidas pelas convenções do gosto pictórico dominante – gosto este baseado na concepção da fotografia como documento, como imagem-especular ou imagem-rastro.
Neste contexto de intensa experimentação, muitas obras têm surpreendido ao se apresentarem como um jogo, uma experimentação lúdica e dispersiva. São propostas ligadas a uma certa “estética do uso” (Certeau, 1994), a uma poética do cotidiano, e que não remetem mais a concepções tradicionais da arte, mas a novas práticas estéticas a meio caminho entre bricolagem, jogo, experimentação e crítica. Nessas obras, de fato, a fotografia não aparece mais como imagem-relíquia, imagem-rastro, suposta emanação do real no coração da técnica. Aqui, não se trata de evocar a nostalgia da bela aparência, de restaurar uma beleza inacessível, mas de instaurar bons encontros, produzir acontecimentos, criar práticas que se apresentem como um exercício coletivo, um jogo compartilhado.
Bibliografia
- CHIODETO, Eder. Geração 00 – a nova fotografia brasileira. São Paulo: Edições Sesc, 2013.
FATORELLI, Antônio. Fotografia Contemporânea: entre o cinema, o vídeo e as novas mídias. Rio de Janeiro: Senac, 2013.
FLUSSER, Vilem. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Hucitec, 1985.
______________. O Universo das Imagens Técnicas: um elogio à superfície. São Paulo: Annablume, 2008.
MITCHELL, W. J. T. What do Pictures Want? The Lives and Loves of Images. Chicago, IL: University of Chicago Press, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. A estética como política. In: Revista Devires. V.7, n2, p.14-36, Jul/dez. Belo Horizonte, 2010.
ROUILLÉ, Andre. A fotografia entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Senac, 2009.
SEQUEIRA, Alexandre. Imagem, realidade e fabulação: a reinvenção da memória na Vila de Lapinha da Serra. In: Catálogo – Prémio Diário Contemporâneo de Fotografia. Belém: Diário do Pará, 2012.