Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Lilian Sola Santiago (ECA-USP)

Minicurrículo

    Lilian Solá Santiago é Documentarista, Roteirista, Pesquisadora e Professora de Audiovisual. Colaborou na produção de importantes filmes paulistas da Retomada e com Família Alcântara (2006, com Daniel Santiago), foi a primeira mulher negra a lançar um filme em circuito comercial neste período. É coordenadora do Curso de Cinema do CEUNSP (Salto/SP) e, atualmente, Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais e integrante do Grupo de Pesquisa LabArteMídia da ECA-USP.

Ficha do Trabalho

Título

    Casa da Memória Negra de Salto – um documentário social de exposição

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Resumo

    Esse trabalho propõe uma aproximação entre o conceito de documentário como cinema expandido (YOUNGBLOOD, 1970) e produção partilhada do conhecimento (BAIRON, 2008), a partir de uma afroperspectiva (SOBRINHO, 2020), através da análise do processo de pesquisa e implantação do dispositivo Casa da Memória Negra de Salto (em exposição desde 2016 no Museu da Cidade de Salto-SP). A descrição desse processo fundamenta uma metodologia que venho chamando de Documentário Social de Exposição.

Resumo expandido

    Esse trabalho propõe uma aproximação entre o conceito de documentário como cinema expandido (YOUNGBLOOD, 1970) e produção partilhada de conhecimento (BAIRON, 2008), a partir de uma afroperspectiva (SOBRINHO, 2020), através da análise do processo de pesquisa e implantação do dispositivo Casa da Memória Negra de Salto (em exposição desde 2016 no Museu da Cidade de Salto-SP). A Casa foi implantada com o intuito de inserir a história do negro no Museu da Cidade que, até então, privilegiava exclusivamente memórias ligadas aos bandeirantes e à imigração italiana, utilizando-se da metodologia documental cinematográfica para materializar a imaterialidade que compõe a história negra no Brasil, mantida principalmente através da oralidade.
    Para refletir sobre a implantação desse dispositivo, partimos do entendimento sobre os museus históricos e sua importância para a identidade cultural de determinado povo, e o privilégio da história material presente nas coleções históricas que acaba por limitar a história museável à história da elite.
    Para pensar a concepção desse dispositivo criado por mim, passamos pelo caminho traçado por minhas origens – negras e periféricas, e a hibridização de saberes e técnicas na minha formação como documentarista-pesquisadora e professora de cinema. Enquanto visão criativa da realidade, a Casa da Memória Negra de Salto se constitui a partir de oposições, tanto das imagens do povo no documentário sociológico (BERNADET,1985), quanto de uma determinada representação criminalizada da população negra “baseada no real” que contamina o cinema brasileiro da Retomada, sintetizada principalmente no documentário Notícias de uma Guerra particular (Katia Lund e João Moreira Salles, 1999).
    Como documentário de exposição, a Casa propõe diversos deslocamentos. Sai da costumeira elaboração semântica em 3ª pessoa – “eu falo deles para você” para um discurso onde “eu falo de nós para nós”, como nos documentários performáticos (NICHOLS, 2005). A janela de exibição também se desloca das telas planas do cinema, TV e internet, essas talvez já contaminadas pelas imagens criminalizadas da população negra e periférica, para o lugar de honra e de culto à cidadania que é o museu histórico, utilizando-se justamente da supervalorização desse ambiente para enaltecer as imagens e as narrativas dos personagens reais que são, ao mesmo tempo, o principal público-alvo. Como um documentário de exposição, é possível percorrê-la, tocá-la, sentir seu cheiro, o que permite uma interação sinestésica mais profunda, potencializando os resultados do contato com a obra e o tema. Ao invés de sessões com hora marcada ou ambiente virtual, a exibição desloca-se para a constante disponibilidade da visitação. Por fim, a ocupação da exposição se dá com os saraus mensais “Café com pretos”, que até antes da pandemia, chegava a congregar aproximadamente 100 pessoas todo segundo domingo do mês dentro do espaço do Museu.
    Através de procedimentos metodológicos desenvolvidos pela produção partilhada do conhecimento, analiso cada uma das etapas de criação e ocupação da Casa da Memória Negra de Salto e, a partir disso, pretendo responder à minha hipótese de que possível replicar este projeto em diversos museus históricos, como proposta de inserção da história negra e/ou indígena e de ocupação dos museus históricos pela população. Vejo o projeto da Casa da Memória Negra como protótipo para o que venho chamando de Documentário Social de Exposição. Nessa perspectiva, tanto o documentário quanto o Museu Histórico se expandem, se hibridizam, adquirindo novos formatos, mais condizentes com as necessidades de representação de um “povo novo”, forma resultante de uma “dominação étnica e de organização produtiva sob condições de extrema opressão social e deculturação compulsória”. (RIBEIRO, 1995).
    Palavras chaves: Documentário de Exposição; Afroperspectiva; Produção Partilhada do Conhecimento

Bibliografia

    BAIRON, Sérgio; BATISTELLA, Roberta Navas; LAZANEO, Caio. Fundamento da Produção Partilhada do Conhecimento e o saber do Mestre Griô. In: Revista Diversitas, v. 3, São Paulo: Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos, da FFLCH da USP, 2015.
    BERNADET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUFBA, 2008
    hooks, bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019
    NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005
    RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
    SHOHAT, Ella e STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006
    SOBRINHO, G.A.. Afroperspectivismo y realización de documentales: la permanencia de las identidades, el diálogo con las formas de resistencias y la lucha por la supervivencia. CINE DOCUMENTAL, v. 22, p. 141-165, 2020.
    YOUNGBLOOD, Gene. Expanded Cinema. New York: Dutton Paperback, 1970.