Ficha do Proponente
Proponente
- Guilherme Farkas (UFF)
Minicurrículo
- Graduado em Cinema e Audiovisual pela UFF, mestrando pelo PPGCINE/UFF. Trabalha com captação e pós-produção de som. Como sound designer foi selecionado para Buenos Aires Talents e Berlinale Talents. Realizou som de filmes exibidos em festivais como Berlinale, Rotterdam, Locarno, entre outros. Por alguns de seus trabalhos recebeu prêmios de melhor som, melhor direção de som, e melhor concepção sonora. Foi curador da mostra Sonoridade Cinema (Caixa Cultural/RJ) sobre som no cinema contemporâneo.
Ficha do Trabalho
Título
- O ambiente sonoro em Luz nos Trópicos
Resumo
- Muitas práticas artísticas e científicas se utilizam do registro sonoro como sua base fundamental. A partir de uma abordagem interdisciplinar o interesse dessa comunicação é problematizar a construção do som ambiente no cinema considerando contexto, causa e manipulação. A construção do som ambiente em Luz nos Trópicos (2020) de Paula Gaitán propõe um exercício de escuta em que os sons ambientes não mais ocupam o pano de fundo de uma narrativa mas são eles próprios a matéria do sensível.
Resumo expandido
- A presente proposta de comunicação se debruça sobre a análise de som ambiente e das práticas de field recording (utilizaremos a tradução ‘gravação de campo’ – qualquer gravação de som feita fora de um estúdio) nas áreas da antropologia, ecologia acústica, arte sonora e cinema. A partir de uma abordagem interdisciplinar em que o estudo do som é compreendido como produtor de sentido e conhecimento, enquanto objeto e sujeito, será realizada uma análise do som ambiente no filme “Luz nos Trópicos” (2020) de Paula Gaitán.
Dentro do processo de construção do som de um filme, é muito comum (quase uma condição apriorística) que se utilize o registro sonoro como matéria prima de trabalho. Seja ele realizado em um set de filmagem em etapa de produção, seja durante a pós-produção. Uma característica muito interessante da prática do registro sonoro, e que sustenta a base criativa de seu uso pelo cinema, é a desconexão entre o objeto que o produziu e o som em si. Uma vez gravados, os sons podem escapar à realidade, mais do que isso, filmes permitem que os sons sejam organizados em novos contextos que não necessariamente coincidam com aqueles de seu registro original (SACIC, 2016). Porém o cinema não é a única prática que se utiliza do registro sonoro como sua base fundamental, o que nos possibilita uma abordagem interdisciplinar. A prática da gravação de campo está presente tanto nas artes como é o caso da arte sonora e música concreta, como em práticas científicas como a ornitologia, etnomusicologia, primatologia, ecologia acústica, entre outros. Cabe destacar algumas características dessas práticas como a não-intervenção levada a cabo por ecologistas acústicos como Gordon Hempton e Bernie Krause, passando pela proposição do sound designer de cinema como demiurgo (SACIC, 2016) até a prática de artistas sonoros como Paulo Dantas e Lilian Nakahodo em que a gravação de campo é entendida como processo afetivo e intersubjetivo que cria um diálogo entre lugar, ouvinte e artista/gravador.
Aliado às pesquisas que o antropólogo e artista sonoro norte-americano Steven Feld desenvolveu entre os anos de 1975 e 2000 através de gravações de campo com o povo Kaluli na Papua Nova Guiné, essa pesquisa levanta algumas questões: aquele que realiza gravação de campo é uma presença audível? é um participante silencioso que mesmo assim fornece uma experiência autêntica? ou é insignificante comparado às propriedades materiais do som e da ‘cena sonora’ que está gravando? Indo mais adiante: de que forma o espaço diegético criado em um filme dialoga com o espaço “real” experienciado por quem realizou as gravações de campo? Em 1992, no texto“Sound Space”, Rick Altman propõe que com o advento padronizado da reprodução sonora sincronizada nas salas de projeção, o cinema criaria o que ele define como um “espectador monstro, dotado de 5 ou 6 orelhas” produzindo uma escuta amplificada de um espaço virtual inexistente. Ao iniciar seus estudos de pós-graduação em antropologia, Steven Feld se questiona se ele poderia estudar não uma antropologia da música mas uma “antropologia do som” em que etnografias seriam gravações de fita (gravação de som em suporte magnético). É a partir deste contexto que Feld propõem a acustemologia, termo central dessa proposta, ao exercitar uma forma de estar presente no mundo unindo acústica com epistemologia (FELD, 2003).
Em muitos manuais técnicos ou livros de estudos de som para cinema, existe pouca produção específica que trate do som ambiente – em muitos casos reforça-se a ideia que ele serve como pano de fundo à narrativa. Muito pouco se diz sobre seu uso expressivo e sensório levando em consideração, por exemplo, características específicas da geografia dos espaços. A incorporação de práticas de gravação de campo no desenho de som de “Luz nos Trópicos” parece fazer um exercício de escuta em que os sons ambientes não mais ocupam o pano de fundo de uma narrativa, mas são eles próprios a matéria do sensível.
Bibliografia
- ALTMAN, Rick. Sound Space. in ALTMAN, Rick. Sound Theory Sound Practice. Routledge. Nova Iorque, 1992.
CARLYLE, Angus e LANE, Cathy. e In the field: the art of field recording. Devon. Uniformbooks. Londres, 2013.
FELD, Steven. A Rainforest Acustemology. In. BULL, Michael; Back, Les. The Auditory Culture Reader. (Ed). Berg. Oxford e Nova Iorque, 2003. p. 223-239. 1999.
HEMPTON, Gordon. Earth is a solar powered jukebox, A Complete Guide to Listening, Recording and Sound Designing with Nature. Quiet Planet LLC. Port Townsend, 2016.
KRAUSE, Bernie. A grande orquestra da natureza – descobrindo as origens da música no mundo selvagem. Zahar Editora. Rio de Janeiro, 2013.
LASTRA, James. Intelligibility and Fidelity. In STERNE, Jonathan. The Sound Studies Reader. Routledge. Oxon e Nova Iorque, 2012.
STERNE, Jonathan. The Sound Studies Reader. Routledge. Oxon e Nova Iorque, 2012.
SACIC, Rodrigo. A few places for recorded sound. Designing Sound, 2016.