Ficha do Proponente
Proponente
- Damyler Ferreira Cunha (UFS)
Minicurrículo
- Com mestrado e doutorado em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP. Atualmente é docente e coordenadora do curso de cinema e audiovisual, vinculado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe. Ministra as disciplinas de Produção Audiovisual e Produção Sonora, coordena o projeto de extensão “Ocupação da Cinemateca do DCOS/UFS: fomento a crítica, a cinefilia e suas novas estratégias de visibilidade”.
Ficha do Trabalho
Título
- O intemporal nas músicas experimentais de Pátio, de Glauber Rocha
Seminário
- Estilo e som no audiovisual
Resumo
- Nesta proposta nos detemos sobre a análise do uso de músicas experimentais na trilha sonora do filme Pátio, realizado por Glauber Rocha entre 1957 e 1959. No mesmo período, nos artigos De Cinestética (1958) e, posteriormente, em Filme Experimental: um tempo fora do tempo (1959) Glauber Rocha se debruçou diante da polêmica entre forma e conteúdo, identificando um subproblema temporal que aponta em direção as relações que o filme experimental deve estabelecer com as outras artes e, com a música.
Resumo expandido
- No final da década de 1950, Glauber Rocha já se apresentava em Salvador como um agitador cultural promissor e consciente de sua geração. Em intensa atividade como colaborador esporádico no Diário de Notícias (entre 1959 e 1961), Glauber também lançou seus primeiros artigos de cinema na revista Mapa e Ângulos, além de participar de um programa radiofônico (Cinema em Close-up) na Rádio Excelsior da Bahia. Neste período, o gesto de correspondência assídua entre Glauber e alguns críticos do circuito paulista e carioca, além de suas viagens à Belo Horizonte e ao Rio de Janeiro em 1958, com o intuito de promover as iniciativas da Yemanjá Filmes, também sinalizavam para a busca de um horizonte que ultrapassava as fronteiras baianas.
Por trás dessa sugestão, podemos afirmar pelos encontros narrados pelo próprio cineasta, seu interesse na formulação de uma rede de relações construída para a recepção do seu primeiro curta-metragem experimental. Filmado em 1957, Pátio foi finalizado com a trilha sonora apenas em 1959 e considerado, pelo próprio cineasta anos mais tarde, como seu filme “de forte influência do movimento concretista brasileiro e do estetismo, das teorias do cinema avant-garde francês, do cinema soviético, do expressionismo…”, fruto de um período no qual estaria “preso a uma noção purista da forma” (O Século do Cinema, p.329). Assim, reconstituída em linhas gerais o clima presente na trajetória inicial do jovem Glauber podemos nos questionar: o que corresponderia a noção purista da forma para Glauber no período em que filmava Pátio? Quais resquícios do problema da forma cinematográfica encontramos neste filme e, ainda, como as músicas elegidas por Glauber Rocha para compor a trilha sonora de seu primeiro filme dialogam com essa problemática da forma e conteúdo pensada pelo cineasta em dois artigos seus escritos neste período.
O curta-metragem Pátio teve uma produção que se estendeu entre os anos de 1957 e 1959, com a pós-produção do som realizada somente no primeiro semestre de 1959, após o cineasta conseguir apoio financeiro para finalização do filme. Com poucas informações sobre o processo de montagem, o que se sabe sobre a pós-produção de Pátio foi dito pelo próprio Glauber em entrevistas à jornais no período de lançamento do filme e depois em sua própria obra, quando reavalia suas influências e nos dá pistas sobre detalhes da produção do filme. Em entrevista concedida a jornalista baiana Matilde Mattos na coluna “A cidade e as gentes”, no Jornal da Bahia (1959), Glauber comentou sobre um encontro de críticos cinematográficos que participou em São Paulo, viagem que teria aproveitado para se dedicar a finalizar e lançar o filme. Nesta entrevista, Glauber além de aliar o processo de montagem a busca de um sentido poético para o filme, afirma que um bom filme existe “quando o ritmo, sem ajuda musical, consegue atingir o estado de uma peça musical”.
Durante os anos de realização do curta, o cineasta teve contato com todo um contexto vanguardista que se desenvolveu em torno das Escolas de Música e de Artes Dramáticas da UFBA, fato que muito provavelmente facilitou a reconhecer as ideias e apreciar as peças de músicos concretos e outros que na época já experimentavam novos procedimentos para organização dos sons. Entretanto, a percepção de que no início do filme utiliza-se outros trechos de música que não faz parte de Symphonie pour un homme seul (apontada nos créditos) nos direcionou para o levantamento de referências até constatar a identificação da utilização de trechos de outras três músicas em Pátio: Tam Tam IV (Pierre Henri, 1952), Ionisation (Edgar Varèse, 1933) e Étude I (Michel Philippot (1953). Os sons que ouvimos em Pátio trazem um novo tipo de experiência auditiva para seus espectadores e apresentam uma montagem sonora que está afinada com as ideias de experimentação sonora difundida pelos músicos no final da década de 1950, voltada para uma ampliação da escuta e subversão temporal da linguagem musical.
Bibliografia
- COCCHIARALE, Fernando & GEIGER, Ana Bella. Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987.
PALOMBINI, Carlos. “Pierre Schaeffer, 1953: por uma música experimental”. Revista Eletrônica de Musicologia REM, vol. 3, outubro, 1998.
RISÉRIO, Antonio. Avant-garde na Bahia. Dissertação de mestrado apresentada no programa de pós-graduação em Ciências Sociais da UFBA, 1995.
ROCHA, Glauber. “De Cinestética”. Revista Ângulos, Salvador (BA), ano VIII, n. 13, jul. 1958, p. 115-127
____________. “Filme experimental: um tempo fora do tempo”. Revista Ângulos, Salvador (BA), ano IX, n. 13, maio 1959, p. 103-106.
____________. “Notas e Comentários de cinema na Bahia”. Jornal da Bahia, Salvador (BA), 04 dez. 1958, p. 3.
___________. O século do cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
___________. “Tentativa de cinema na Bahia “O Pátio”. Entrevista para o jornal Estado da Bahia, Salvador (BA), 27/12/1958, p. 5.