Ficha do Proponente
Proponente
- Cíntia Langie Araujo (UFPel)
Minicurrículo
- Professora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), realizadora audiovisual desde 2007 e curadora do Cine UFPel. Mestre em Comunicação Social (PUCRS, 2006) e Doutora em Educação (UFPel, 2020). Atua na pesquisa acadêmica na área de cinema, com ênfase nas questões relativas a cinema e educação, filosofia, roteiro e distribuição alternativa do cinema brasileiro.
Ficha do Trabalho
Título
- Cinema, clausura e educação: desafios pandêmicos e trocas feministas
Seminário
- Cinema e Educação
Resumo
- Que modos de docência são possíveis inventar em uma pandemia? Que afetos políticos tornam-se urgentes acessar na contemporaneidade? Esta pesquisa busca investigar estratégias para o ensino de Cinema em meio aos novos desafios impostos pela Covid-19 e, para isso, compartilha experiências com textos e filmes criados por mulheres. Selecionando a clausura como imagem disparadora, o texto aposta na cartografia e no repertório feminista para pensar escapes ou respiros para uma docência em desordem.
Resumo expandido
- Que modos de docência são possíveis inventar em uma pandemia? O que o isolamento social pode oportunizar em termos de afetos políticos na contemporaneidade? Este trabalho busca investigar estratégias para pensar a pesquisa e o ensino de Cinema em meio aos novos desafios impostos pela Covid-19 e, para isso, aposta nas experiências com textos e filmes criados por mulheres. Diante das restrições de convívio colocadas pela pandemia, que levam, pois, à clausura, nos perguntamos: como a experiência de leitora e de espectadora de obras feministas pode permitir o nascimento de modos de reinvenção de uma didática em desordem?
O primeiro passo surge da aposta em uma perspectiva cartográfica. E, para tanto, convocamos ao debate Suely Rolnik e sua ideia de curadoria que cria: “trata-se de tecer múltiplas redes de conexões entre subjetividades e grupos” (2018, p. 141), isto é, trata-se de nos aliarmos a pensamentos que fujam das representações, dos clichês e dos reducionismos presentes em diferentes formas de preconceitos. Assim inventamos um primeiro arredor no modo existir e resistir na clausura: com aliança a outras mulheres do cinema e da educação.
Para Grada Kilomba, “o fato é que nossas vozes, graças a um sistema racista, têm sido sistematicamente desqualificadas, consideradas conhecimento inválido” (2020, p. 51). Ela nos lembra que alguns conhecimentos são colocados à margem por regimes dominantes que regulam o que é a verdadeira erudição.
A crítica de Kilomba ao academicismo e ao padrão de escrita “branco”, objetivo e impessoal, nos estimula a pensar o feminino como uma possibilidade de inaugurar na docência e na pesquisa atitudes para além do já desgastado produtivismo e do acúmulo de leituras e conhecimentos. Como viver experiências mais próximas da leveza nos novos modelos de ensino remoto? Como a pesquisa cartográfica e as referências feministas podem contribuir nesse sentido?
Junto destas e de outras pensadoras, acreditamos ser urgente descolonizar a ordem eurocêntrica do conhecimento, além de desbancar o privilégio branco e masculino dos repertórios compartilhados na educação superior. bell hooks acredita que “o campo da representação permanece um lugar de luta” (2019, p. 34), por isso, um outro contorno de nossa pesquisa investe na conexão com filmes brasileiros dirigidos por mulheres. Para Angela Davis, a arte é uma forma de consciência social. “A arte é especial por sua capacidade de influenciar tanto sentimentos como conhecimento” (2017, p. 166), e daí advém nossa aposta no cinema.
Tatá Amaral, em seu longa Um céu de estrelas (1996), nos aprisiona em um cenário único: a casa de Dalva, a protagonista. Desse modo, nos possibilita pensar acerca dos limites da clausura, e nos permite entender que a resistência há de vir da situação de captura dos antigos modos de proceder. No filme, é a necessidade de liberdade e sobrevivência que faz a personagem passar de um estado passivo para a ação, a partir da tomada de consciência da crise instaurada. O que esse gesto pode auxiliar no pensamento acerca das práticas didáticas na pandemia? Para criar estratégias, não seria antes preciso entender o desamparo causado pelas restrições das antigas práticas pedagógicas?
A jovem cineasta Gabriela Lamas, em seu curta Eu não sou um robô (2021), também nos oferece uma mulher trancada em sua casa, dessa vez por conta da pandemia. O que nos interessa nessa obra é seu final: durante os créditos, nos é revelado que os diálogos foram elaborados mediante uma coleta de conversas com outras pessoas do convívio social da roteirista.
A partir dessa experiência estética, acessamos uma outra pista: a de que, na clausura, ainda temos as redes, mesmo que virtuais; e, também, que é do jogo curatorial de escolhas do que ver, do que ler e com quem conversar que podemos capitanear ideias para a criação. Nesse sentido, esta pesquisa busca pensar – a partir de vários encontros com um repertório feminista – escapes ou respiros para uma docência em desordem.
Bibliografia
- DAVIS, Angela. Mulheres, Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2017.
HOLLANDA, Heloisa Buarque (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2020.
hooks, bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Editora Cobogó, 2020
LUSVARGHI, Luiza; SILVA, Camila Vieira da. Mulheres atrás das câmeras. São Paulo: Estação Liberdade, 2019.
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
Filmes citados:
UM céu de estrelas. Direção: Tatá Amaral, Brasil, 1996.
EU não sou um robô. Direção: Gabriela Lamas, Brasil, 2021.