Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    RAFAEL TASSI TEIXEIRA (Unespar (PPGCINEAV)))

Minicurrículo

    Pós-Doutor em Cinema e Audiovisual (Universitat Autònoma de Barcelona – UAB). Doutor em Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid (UCM). Professor do Mestrado em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV\UNESPAR). Professor Adjunto da UNESPAR, Campus Curitiba II (Sociologia da Arte, Estudos Culturais, Antropologia Audiovisual). Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq) Eikos – Imagem e Experiência Estética.

Ficha do Trabalho

Título

    Arquivo, Memória e Inscrição Cinematográfica em Different Trains

Seminário

    Outros Filmes

Resumo

    A peça musical Different Trains, criada em 1988 pelo compositor Steve Reich a partir de três movimentos para quarteto de corda e sons pré-gravados, é interpretada pelo grupo Kronos Quartet no ano de 1989, e posteriormente reescrita filmicamente (em 2016) pela cineasta Beatriz Caravaggio. O presente trabalho objetiva discutir a terceira gestualidade artística sobre a peça, que marca o ato fílmico realizado pela artista multimídia à luz das diferentes dimensões do arquivo.

Resumo expandido

    Desenvolvida a partir de três movimentos sucessivos, a peça musical Different Trains, apresentada pelo compositor Steve Reich no ano de 1988, é estruturada para quarteto de cordas em base de material pré-gravado (sons previamente armazenados pelo músico em fita cassete, a partir depoimentos escolhidos em arquivos sonoros do Museu do Holocausto de Washington, e no arquivo Fortunoff depositados na Universidade de Yale e na Biblioteca de História Oral Wiener em Nova York), e organizado a partir de diferentes paisagens sonoras. O primeiro terço alimenta-se da base mnemônica e afetiva das lembranças infantis do autor, quando os pais do compositor se separam e passam a morar em cidades distantes nos Estados Unidos. Reich se vê em trânsito frequente entre Nova York a Los Angeles, momento em que passa a atravessar os Estados Unidos em sucessivos trens, entre 1939 e 1942. De modo autobiográfico, o compositor cria a partitura musical tomando como referência os trens na memória individual e coletiva, emulando os primeiros movimentos das viagens ferroviárias realizadas através dos Estados Unidos, e contrapondo com as viagens dos trens que levavam os judeus para os campos de extermínio. A partitura musical, então, toma como referência um endereçamento abjeto: os trens utilizados para deportação, as distâncias da Polônia profunda, o destino aos campos de extermínio nazistas. O último ato da peça musical, demarca, ainda, o período imediato do pós Segunda Guerra, com as rápidas transformações sociais e as dificuldades dos sobreviventes em lidar com as recordações dos crimes perpetrados pelo regime nazista. No ano de 1989, em interpretação do grupo Kronos Quartet, a partitura ganha movimento musical. O quarteto de cordas ensaia a interpretação com base nos arranjos desenvolvidos por Reich, utilizando a dimensão eletroacústica junto com música repetitiva. A partitura é transportada para a condução das cordas, e a peça obtém impulso instrumental, conferindo-lhe a primeira circulação auditiva. Será reescrita filmicamente em 2016 pela cineasta e artista visual Beatriz Caravaggio, por demanda da Fundación BBVA (Espanha). Caravaggio reorganiza as referências sonoras da obra de Reich transportando-a em um terceiro gesto: uma partitura visual que redesenha sensorialmente a obra do compositor em um procedimento de redefinição cinematográfica, tanto da partitura como de sua instrumentalização. A obra fílmica contrasta as edênicas paisagens dos trens e ferrovias em diversas regiões dos Estados Unidos – desde a visão contemplativa da América profunda e a natureza selvagem -, com as imagens dos comboios de trens rumo aos campos concentracionários, terminando por apresentar imagens do período do fim da etapa bélica, das rápidas transformações sociais do período, e da dor da memória concentracionária. Dentro do fluxo fílmico, arquivos da deportação dos judeus, dos campos de extermínio e da libertação, são utilizados pela cineasta em três projeções paralelas, adensando a composição fílmica em um tríptico descompassado. Gesto que termina construindo uma criativa fragmentação temporal e também desenvolvendo uma espécie de collage de diferentes trânsitos e perspectivas audiovisuais. Mediante o uso de multitelas, a cineasta desenvolve uma peça cinematográfica que, além da densificação da obra musical de Reich interpretada pelo Quarteto Kronos, cria uma partitura visual que revela e intensifica de diversas maneiras a escuta e a visualização de Different Trains. O presente trabalho tenta apresentar o gesto de collage da cineasta, que adensa a composição em um tríptico projetivo (sincrônico e descompassado) em linguagem de instalação, acionando diferentes arquivos visuais: imagens da estação de Westerbork utilizadas por Alain Resnais; imagens da liberação; imagens de trens norte-americanos; etc.

Bibliografia

    ARFUCH, L. Memoria y Autobiografía. México: Fondo de Cultura Económica, 2013.
    BOU, S. Réflexions sur le Nazisme. Entretiens avec Stéphane Bou. Paris: Seuil, 2016.
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    HUYSSEN, Andreas. Culturas do Passado-Presente: Modernismos, Artes Visuais, Políticas da Memória. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.
    LINDEPERG, Sylvie. Nuit et Brouillard. Un Film dans l’histoire. Paris: Odile Jacob, 2007.
    SÁNCHEZ-BIOSCA, Vicente. Cine de Historia, Cine de Memoria: La Representación y sus Límites. Madrid: Cátedra, 2006.
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