Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Cristiana Miranda Soares de Moura (FACHA)

Minicurrículo

    Cineasta experimental e pesquisadora no campo da imagem e cinema. Doutorado em Artes pelo PPGARTES-UERJ, com sanduíche na Universidade Mandume ya Ndemufayo, Angola. Criadora e diretora do Festival Internacional de Cinema Experimental Dobra. Participou de festivais de cinema e exposições incluindo Crossroads Film Festival/Cinematheque San Francisco Museum of Modern Art e Festival de Cinéma Différent et Expérimentaux de Paris. Realizou uma retrospectiva de seus filmes na Cinemateca/MAM em 2017.

Ficha do Trabalho

Título

    A Hidra do Iguaçu: poesia, etnografia e cinema experimental

Seminário

    Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas

Resumo

    “A Hidra do Iguaçu” é um filme experimental sobre os espaços esquecidos da historiografia colonial. O filme é uma experiência etnográfica onde o entendimento sobre si é inseparável da investigação sobre o coletivo. Uma experiência de filmar e habitar o estrangeiro que perturba as separações entre o diferente e o semelhante, o dentro e o fora, o eu e o outro. Enquanto artista experimento a identidade como uma construção, um desafio que só posso enfrentar a partir de um vínculo com a memória.

Resumo expandido

    “A Hidra do Iguaçu” é um filme experimental filmado em Angola, nas cidades de Luanda, Massangano, Benguela e Chibia. Em agosto de 2018, parti do Rio de Janeiro a Luanda para uma viagem de 6 meses, em busca de imagens para um filme sobre os espaços esquecidos da história. Nessa viagem persegui lugares de memória pouco celebrados da historiografia colonial. Lugares onde a tensão entre a memória e o esquecimento vibra tão intensamente, que acaba por abalar nossa compreensão a cerca nós mesmos.
    O filme é uma experiência etnográfica onde o entendimento sobre si é inseparável da investigação sobre o coletivo. Uma experiência de filmar e habitar o estrangeiro que perturba as separações entre o diferente e o semelhante, o dentro e o fora, o eu e o outro. Enquanto artista viajante experimento a identidade como um devir, um desafio que só posso enfrentar a partir de um vínculo com a memória e com a elaboração de uma imagem do passado. Compreendo a memória como uma construção ativa, um reconhecimento que está sempre ameaçado pelo esquecimento. Ao percorrer lugares de memória entregues ao descaso da história, o filme enfrenta os dilemas do passado, na urgência de libertar o presente.
    Com uma câmera Bolex, alguns rolos de filme 16mm, químicas fotográficas e um pequeno tanque de revelação, viajei para Angola em busca dos fundamentos daquilo que os traçados coloniais deixaram em nossa história. Em busca de um reconhecimento no que parece ser diferente, de um pertencimento no que nos é negado enquanto identidade. Viajar aos lugares de memória do outro lado do oceano foi uma estratégia para percorrer uma história que não nos foi contada, olhar o triângulo atlântico por outro vértice, pesquisar o que está além das referências canônicas.
    O conceito de lugares de memória foi desenvolvido por Pierre Nora a partir da ideia de que existem alguns locais, sejam eles concretos ou não, onde a memória está incarnada, enraizada em suas fundações. Os lugares de memória são objetos no abismo. Locais onde a imaginação e a construção simbólica trabalharam juntas, criando reconhecimentos e pertencimentos que se enraízam no concreto. Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. Mesmo em ruínas eles nos olham, e nos dizem quem somos.
    Existe uma importante relação entre a memória e a experiência do sagrado. A memória instala a lembrança no sagrado, e emerge de um grupo que ela une. Há tantas memórias quantos grupos existem, ela é múltipla, coletiva, plural e individualizada. A memória se abriga no gesto e no hábito, nos saberes do corpo, ela cria vínculos e não tem ambição de verdade.
    O filme investe na relação entre a memória e a experiência do sagrado também pelas suas escolhas técnicas, ao trazer a tecnologia analógica do cinema para o contexto atual. O ato de filmar em 16mm, usar negativos vencidos e revelar manualmente a imagem, incorpora ao filme a dimensão histórica da técnica cinematográfica, seus gestos e práticas.
    Com uma câmera Bolex fui em busca dos lugares de encontro com os invisíveis do passado. A praça de escravos do século XVI na beira do rio Kwanza em Massangano, o centro histórico de Luanda com seus pedestais sem estátuas, a linha do trem que vai de Catumbela para Benguela, a feira da Chibia, são no filme lugares de memória onde o sagrado se deixa perceber. Entre as perfurações da película, nas manchas da imagem, seus tempos, cores e riscos, o filme nos coloca diante de percepções que seriam inalcançáveis sem as provocações de suas formas móveis.
    Para ver “A Hidra do Iguaçu” é possível acessar o link: https://vimeo.com/384890780.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. Textos escolhidos Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1985.
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    FOSTER, Hal. O retorno do real. São Paulo: Cosac&Naif, 2014.
    GEIMER, Peter. Inadvertent Images. Chicago: The University of Chicago Press, 2018.
    GURAN, Milton, ABREU Martha e MATTOS, Hebe. Inventário dos lugares de memória do tráfico atlântico dos africanos escravizados no Brasil. Niterói: PPGH-UFF, 2014.
    MURARI, Lucas e SOMBRA, Rodrigo. O cinema de John Akomfrah. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2018.
    RUFINO, Luiz e SIMAS, Luiz Antonio. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2018.
    VIRILIO, Paul. Guérre et Cinéma I; Logique de la perception. Paris: Cahiers du Cinémas, 1991.
    WALCOTT, Derek. The sea is history in: Derek Walcott Collected Poems 1948-1984. Nova York: Farrar, Straus & Giroux, 1986.