Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael Vieira Blas (MACK)

Minicurrículo

    Mestrando em Arquitetura pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-Mackenzie, especialista em Design pela FAAP. Diretor de arte, cenógrafo e arquiteto.

Ficha do Trabalho

Título

    Táticas projetuais de Lina Bo Bardi na cenografia de A Compadecida

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Resumo

    Este trabalho versa sobre a experiência de Lina Bo Bardi na concepção e construção das ambiências de A Compadecida, longa-metragem dirigido por George Jonas, em 1969. Os espaços construídos, pré-existentes e não edificados têm importância crucial na criação da visualidade fílmica, impingindo camadas de compreensão à narrativa. Sob esta perspectiva, o estudo procura identificar os procedimentos projetuais adotados pela arquiteta, sublinhando sua prática e pensamento crítico no exercício espacial.

Resumo expandido

    Lina Bo Bardi, arquiteta da terceira geração modernista, nascida em Roma, radicada no Brasil, passa pela transformadora experiência de sair de São Paulo e ancorar na capital baiana, Salvador, em 1958, fase que se estende até 1964, a qual chamou de cinco anos entre os “brancos” (RUBINO, GRINOVER, 2009). Considerada uma temporada profícua culturalmente, Lina se envolve com intelectuais do calibre de Pierre Verger, Martin Gonçalves, Carybé, Jorge Amado, Caetano Veloso e Glauber Rocha, com quem estabelece uma relação de cooperação artística em Deus e o Diabo na Terra do Sol, atuando como uma espécie de consultora (LIMA, MONTEIRO, 2012), ainda que não creditada. Além da parceria intelectual no filme, juntos desenvolvem proposta de criação do Museu de Arte Moderna da Bahia e organizam a exposição Bahia no Ibirapuera, anexa à V Bienal de Artes Plásticas de São Paulo, em 1959 (CASTRO, 2014).
    Os anos no Nordeste trouxeram à Lina certa ampliação em seu campo de visão sobre a cultura brasileira, influenciando seu repertório visual, incorrendo em uma busca pela simplificação das formas, da estética do nacional-popular, da ressignificação de objetos cotidianos, além de um desejo em configurar uma identidade a partir de uma observação antropológica (ORTEGA, 2008).
    A gramática visual apreendida durante este período foi fartamente aplicada em projetos arquitetônicos posteriores, como no SESC Pompéia, em São Paulo e na Igreja do Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia, mas, para além dos casos explícitos e amplamente documentados, pretende-se com este estudo jogar luz no projeto cenográfico de A Compadecida, fruto deste mesmo arcabouço plástico-teórico.
    Tendo como ponto de partida a obra original de Ariano Suassuna, Auto da Compadecida, de 1955, a primeira adaptação para o cinema foi rodada integralmente em Brejo da Madre de Deus, no interior de Pernambuco, e, mesmo se tratando de uma sátira brasileira sui generis, contou com os olhares estrangeiros do diretor húngaro George Jonas, do fotógrafo eslovaco Rudolf Icsey e de Lina Bo Bardi capitaneando a cenografia, ou arquitetura cênica, como é comumente citada.
    Contemporâneo ao Cinema Novo de Glauber Rocha, que filmaria O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro no mesmo ano, o longa-metragem de Jonas se distancia das temáticas sociais recorrentes nos novistas, recebendo a etiqueta de filme comercial por seus contornos explicitamente mercantis, contando com elenco estrelado e o maior orçamento até então, 750 mil cruzeiros novos. “Blockbuster” para a época, junto às prateleiras das comédias e musicais, A Compadecida, de certa forma, ajuda a pavimentar uma ideia de Nordeste como pólo produtivo de cinema, se posicionando frente ao circuito hegemônico dos estúdios e produtoras de São Paulo e Rio de Janeiro.
    Afeita à ideia de uma arte genuinamente nacional, Lina depura seu olhar ligado às vanguardas europeias modernistas em favor de uma cenografia enraizada na cultura sertaneja nordestina. A cenógrafa vai então relacionar sua metodologia arquitetônica ao fazer cinematográfico, intervindo no vilarejo de traço colonial português, enaltecendo as construções originais, respeitando a malha irregular de ruas e o relevo pré-existente, sem descaracterizar as fachadas e demais elementos ornamentais, fazendo uso de materiais vernaculares e mão de obra autóctone.
    É nesta conjuntura que a cenógrafa vai ambientar os interiores das locações se utilizando de pouco mobiliário, quase sempre com influência do barroco brasileiro, e objetos ligados ao candomblé e ao beatismo. É notável a escolha pela pintura de paredes imaculadamente brancas, em evidente distanciamento ao realismo cenográfico do cinema feito naquele momento. Em outra chave, é possível dizer que Lina faz a opção por bases claras para que se contraponham aos móveis, objetos e figurinos com muita saturação nas cores, já antecipando a ideia organizadora de uma “direção de arte”, junto a Francisco Brennand, responsável pelos engenhosos figurinos da obra.

Bibliografia

    CASTRO, Lygia Pinheiro de. Lina Bo Bardi: a estética da fome e a poética da economia na Igreja Espírito Santo do Cerrado. Revista Relicário – Vol. I, nº2, jul/ dez, 2014. USP – São Carlos.
    LIMA, Evelyn Furquim Werneck; MONTEIRO, Cássia Maria Fernandes. Entre arquiteturas e cenografia: a arquiteta Lina Bo Bardi e o teatro. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012.
    ORTEGA, Cristina Garcia. Lina Bo Bardi: móveis e interiores (1947-1968) – interlocuções entre moderno e local. São Paulo: FAUUSP, 2008. Tese de doutorado.
    RISÉRIO, Antônio; VELOSO, Caetano (apres.). Avant-garde na Bahia. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1995.
    ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

    RUBINO, Silvana Barbosa; GRINOVER, Marina. Lina por escrito, textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo e Cinema Marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.