Ficha do Proponente
Proponente
- Alessandra Lucia Bochio (UFRGS)
Minicurrículo
- Artista, pesquisadora e professora do Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da ECA/USP. Mestre em Artes pela Universidade Estadual Paulista – IA/UNESP. Bacharel em Artes Plásticas pelo IA/UNESP, Licenciatura Plena em Arte pelo Centro Universitário Belas Artes. Como artista se dedica a trabalhos colaborativos na realização de performances e instalações audiovisuais.
Ficha do Trabalho
Título
- (Outros) fundamentos de Aline Motta
Mesa
- A imagem como contraespaço
Resumo
- (Outros) fundamentos (2017-19) da artista Aline Motta é objeto de análise desta comunicação. Para tanto, lanço mão do conceito de dororidade de Vilme Piedade (2017), para debater as relações entre memória individual e memória coletiva presentes no trabalho de Aline, e a noção de tempo espiralar de Leda Martins (2002), para abordar os trânsitos e deslocamentos que emergem das conexões entre a história familiar da artista e dela própria e a Nigéria, como lugar escolhido para o filme.
Resumo expandido
- (Outros) fundamentos, objeto de análise desta comunicação, é o último de uma trilogia de filmes (2017-19) da artista Aline Motta, sendo antecedido por Pontes sobre abismos e Se o mar tivesse varandas. Motivada por uma revelação feita por sua avó materna, a de nunca ter conhecido o próprio pai – a bisavó de Aline, Mariana, uma mulher negra, havia engravidado do filho adolescente e branco de seus patrões – os filmes de Aline não pretendem apenas recontar uma narrativa familiar, mas jogar as histórias pessoais para fora delas mesmas, ao afirmar uma presença negra, preenchendo e/ou fissurando uma ausência histórica de memórias negras. Conforme Kênia Freitas (2020), ao analisar Pontes sobre abismos, não se trata aqui “de preencher as lacunas ou restituir um discurso histórico fechado, mas […] reimaginar estratégias de tensionar a iconografia nega já existente em grande parte criada pela sobredeterminação do olhar branco” (FREITAS, 2020, p. 221).
Como ponto de partida, a busca das origens e de arquivos familiares da artista. Como ponto de chegada, o retorno ao continente africano. “Oyinbo, oyinbo, oyinbo sou eu. Branca. Branca na Nigéria, negra no Brasil”. Essas são as palavras que abrem (Outros) fundamentos e nos direcionam para a compreensão do filme. Resultado de uma residência artística de Aline na Nigéria, o filme aborda a experiência da artista em continente africano, uma pessoa negra de pele clara, e suas consequências, tanto em termos de identidade, quanto das conexões que podem ser estabelecidas ou não entre este lugar e sua história familiar.
Para análise do filme, lanço mão do conceito de dororidade de Vilme Piedade (2017) e da noção de tempo espiralar de Leda Maria Marins (2002). O primeiro, para debater as relações entre memória individual e memória coletiva presentes no trabalho de Aline Motta. Ao questionar se o conceito de sororidade compreende o lugar das mulheres pretas, Vilma Piedade propõe o conceito de dororidade, afirmando que o primeiro parece não dar conta da pretitude. O conceito é estruturado junto com a noção de Tradição, como um conjunto heterogêneo de experiências culturais africanas atravessadas pela colonização.
A noção de tempo espiralar de Leda Martins auxilia para abordar os trânsitos e deslocamentos que emergem das conexões entre a história familiar da artista e dela própria e a Nigéria, como lugar escolhido para o filme. O tempo espiralar é própria busca por suas origens; é perpassado pela Tradição e pela ancestralidade, evocando passado, presente e futuro como complementares, em um movimento constante, ao mesmo tempo que tudo vai, tudo volta. Nas palavras da autora, “a concepção de ancestralidade africana inclui, no mesmo circuito fenomenológico, as divindades, a natureza cósmica, a fauna, a flora, os elementos físicos, os mortos, os vivos e os que ainda vão nascer, concebidos como anelos de uma complementaridade necessária, em contínuo processo de transformação e de devir” (MARTINS, 2002, p. 84). O conceito de Dororidade e a noção de tempo espiralar dizem respeito a uma tradição que resiste e se renova; diz respeito ainda a própria diáspora africana.
Bibliografia
- FREITAS, K. Afrofabulações e opacidade: as estratégias de criação do documentário negro brasileiro contemporâneo. RICARDO, L. (org). Pensar o documentário, textos para um debate. Recife: UFPE, 2020, pp. 201-227.
MARTINS, L. M. Performances do tempo espiralar. RAVETTI, G., ARBEX, M. (org). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte: Departamento de Letras Românticas, Faculdade de Letras/UFMG: Poslit, 2002, pp. 69-89.
PIEDADE, V. Dororidade. São Paulo: Editora Nós, 2017.