Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Elizabeth Motta Jacob (UFRJ)

Minicurrículo

    Doutora em Teatro, UNIRIO, Mestre em Comunicação Social, UFF, DEA em Estética, Sorbonne. Professora Associada do Curso de Comunicação Visual, EBA/UFRJ. Foi coordenadora do PPGAC/ECO/ UFRJ e da Pós-graduação em Direção de Arte da UNESA, professora da Escuela Internacional de Cine e TV, Cuba, pesquisadora do The Survivors of the Shoah Archives de Steven Spielberg. Trabalha com questões relativas a visualidade háptica, espacialidade e direção de arte na cena contemporânea, é membro do NIDAA/UFPE.

Ficha do Trabalho

Título

    Quando você olha para mim para quem eu olho? DA e as dimensões do ver

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Resumo

    Este artigo visa a direção de arte do filme O retrato de uma jovem em chamas de Céline Sciamma, que aborda a homoafetividade feminina no séc. XVIII à luz de uma subjetividade própria ao séc. XXI. Entendendo a direção de arte como o campo da mise-en-scène cinematográfica que estrutura o espaço cênico e a caracterização de personagens, analisaremos de que modo seus meios expressivos são empregados nesta construção do olhar promotor de afetos e na revelação e criação de dimensões hápticas da imagem

Resumo expandido

    Quando você olha para mim para quem eu olho? A direção de arte e as dimensões do ver.

    Este artigo tem como objeto o papel da direção de arte na construção da visualidade háptica em Retrato de uma jovem em chamas, de Celine Scimma, 2020. Vão nos interessar, nesta abordagem, os agenciamentos espaciais e temporais e os elementos materiais expressivos que dão suporte as relações do ver e favorecem os deslizamentos entre a imagem óptica e háptica.
    A imagem háptica tal qual definida por Deleuze e Guattari (1997) é aquela que evoca uma percepção mais tátil do que visual, uma imagem que demanda um tipo de olhar mais atento à superfície, aos pequenos eventos que emergem na imagem. Marks (2000), a partir de conceitos formulados por Deleuze, desenvolve uma diferenciação entre a imagem óptica e a imagem háptica. Para ela, a primeira induz o espectador a lidar com a profundidade ilusória da imagem, enquanto a segunda leva o olhar para a superfície dessa, trazendo à tona a sua materialidade plástica, convocando os sentidos táteis do espectador. Para alcançar este efeito diversos recursos podem ser empregados.
    Neste filme que aborda a relação homo afetiva entre uma pintora, Mariane, e sua retratada, Heloise, no século XVIII, na França descobrimos o enredo e as personagens aos poucos. A imagem é, em muitos momentos, oferecida em fragmentos que desafiam o olhar e oferecem sensações que envolvem todos os sentidos do expectador. A apresentação de Heloise se dá por meio de fragmentos, de falas contidas, de olhares trocados com Marianne e pelos esboços por essa realizados. A fragmentação do rosto, os esboços realizados de dia e montados como um quebra cabeças imperfeito à luz da lareira à noite constroem a imagem de Heloise e a relação entre elas.
    Nos figurinos e ambientações o espírito barroco se evidencia fortemente. Os espaços são transmutados pela luz, recortes da imagem e cortinas revelam e resguardam segredos. A luz do dia é vívida e as cores dos figurinos se destacam nos ambientes. Já nas cenas noturnas uma lareira, fogueira ou vela irradia seu lume pontuando a cena.
    As poucas mudanças de figurino enfatizam a continuidade da ação. O figurino de Marianne, enquanto hospede de Heloise, é composto por um corpete vermelho, uma saia marrom, seu forro e um robe branco utilizado ora como robe de chambre ora como jaleco de pintora. Já Heloise tem um vestido azul escuro, uma veste longa com capuz e um vestido verde. Nas cenas nas quais a relação entre as duas vai se tornando mais próxima as roupas utilizadas são de cores complementares enfatizando o vínculo existente entre elas.
    Se a referência iconográfica do século XVIII se evidencia nos vestidos alguns adereços vão com esta contrastar. Menciono aqui a cena na qual um véu negro envolve parte da cabeça e pescoço das personagens enfatizando o desejo de um beijo e nos remetendo ao quadro Os amantes de Magrite.
    Os quadros realizados por Marianne foram especialmente realizados para o filme por Hélene Delmaire. Esta artista realiza retratos de mulheres frequentemente rasurados. Tais rasuras presentes na obra de Delmaire, e no primeiro quadro pintado por Marianne, comunica a potência e os desejos represados das mulheres. A pintura de Delmaire se integra a temporalidade proposta para o filme ao mesmo tempo que traz a marca da contemporaneidade gerando uma imagem ruidosa.
    O filme propõe um entrelaçamento de tempos e espaços na construção de sua visualidade. Os cenários e figurinos tem inspiração na iconografia do período em tela, mas os diálogos, cores, iluminação, objetos, e o som, expressam a contemporaneidade da abordagem a e lembram o espectador que a hetero normatividade e os cerceamentos impostos às mulheres não chegaram ao fim no século XXI. Quando Heloise postula a questão título deste artigo, verificamos que a mesma transcende os muros da pintura e do cinema, convocando o espectador para os diversos questionamentos sobre o olhar sobre o feminino, a arte e pulsão de vida propostos pelo filme.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Texto e grafia, 2008.
    DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O liso e o estriado. Trad. Peter Pál Pelbart. In. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1997
    GONÇALVES, Osmar. Narrativas sensoriais http://editoracircuito.com.br/website/ wpcontent/uploads/2014/04/osmarmiolosaidabaixa2014-05-09.pdf
    GONÇALVES, Osmar. Reconfigurações do olhar: o háptico na cultura visual contemporânea, https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/viewFile/26551/15145
    LANZA, Amélia Gonçalves. La textura del deseo https:// books. google. com. br/books?
    MARKS, Laura. The skin of the Film. Intercultural Cinema, Embodiment and the Senses. Duke University Press. Durham and London. 2000.
    VIEIRA Jr, Erly . Por uma exploração sensorial e afetiva do real: esboços sobre a dimensão háptica do cinema contemporâneo, http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/15919