Ficha do Proponente
Proponente
- Elizabeth Motta Jacob (UFRJ)
Minicurrículo
- Doutora em Teatro, UNIRIO, Mestre em Comunicação Social, UFF, DEA em Estética, Sorbonne. Professora Associada do Curso de Comunicação Visual, EBA/UFRJ. Foi coordenadora do PPGAC/ECO/ UFRJ e da Pós-graduação em Direção de Arte da UNESA, professora da Escuela Internacional de Cine e TV, Cuba, pesquisadora do The Survivors of the Shoah Archives de Steven Spielberg. Trabalha com questões relativas a visualidade háptica, espacialidade e direção de arte na cena contemporânea, é membro do NIDAA/UFPE.
Ficha do Trabalho
Título
- Quando você olha para mim para quem eu olho? DA e as dimensões do ver
Seminário
- Estética e teoria da direção de arte audiovisual
Resumo
- Este artigo visa a direção de arte do filme O retrato de uma jovem em chamas de Céline Sciamma, que aborda a homoafetividade feminina no séc. XVIII à luz de uma subjetividade própria ao séc. XXI. Entendendo a direção de arte como o campo da mise-en-scène cinematográfica que estrutura o espaço cênico e a caracterização de personagens, analisaremos de que modo seus meios expressivos são empregados nesta construção do olhar promotor de afetos e na revelação e criação de dimensões hápticas da imagem
Resumo expandido
- Quando você olha para mim para quem eu olho? A direção de arte e as dimensões do ver.
Este artigo tem como objeto o papel da direção de arte na construção da visualidade háptica em Retrato de uma jovem em chamas, de Celine Scimma, 2020. Vão nos interessar, nesta abordagem, os agenciamentos espaciais e temporais e os elementos materiais expressivos que dão suporte as relações do ver e favorecem os deslizamentos entre a imagem óptica e háptica.
A imagem háptica tal qual definida por Deleuze e Guattari (1997) é aquela que evoca uma percepção mais tátil do que visual, uma imagem que demanda um tipo de olhar mais atento à superfície, aos pequenos eventos que emergem na imagem. Marks (2000), a partir de conceitos formulados por Deleuze, desenvolve uma diferenciação entre a imagem óptica e a imagem háptica. Para ela, a primeira induz o espectador a lidar com a profundidade ilusória da imagem, enquanto a segunda leva o olhar para a superfície dessa, trazendo à tona a sua materialidade plástica, convocando os sentidos táteis do espectador. Para alcançar este efeito diversos recursos podem ser empregados.
Neste filme que aborda a relação homo afetiva entre uma pintora, Mariane, e sua retratada, Heloise, no século XVIII, na França descobrimos o enredo e as personagens aos poucos. A imagem é, em muitos momentos, oferecida em fragmentos que desafiam o olhar e oferecem sensações que envolvem todos os sentidos do expectador. A apresentação de Heloise se dá por meio de fragmentos, de falas contidas, de olhares trocados com Marianne e pelos esboços por essa realizados. A fragmentação do rosto, os esboços realizados de dia e montados como um quebra cabeças imperfeito à luz da lareira à noite constroem a imagem de Heloise e a relação entre elas.
Nos figurinos e ambientações o espírito barroco se evidencia fortemente. Os espaços são transmutados pela luz, recortes da imagem e cortinas revelam e resguardam segredos. A luz do dia é vívida e as cores dos figurinos se destacam nos ambientes. Já nas cenas noturnas uma lareira, fogueira ou vela irradia seu lume pontuando a cena.
As poucas mudanças de figurino enfatizam a continuidade da ação. O figurino de Marianne, enquanto hospede de Heloise, é composto por um corpete vermelho, uma saia marrom, seu forro e um robe branco utilizado ora como robe de chambre ora como jaleco de pintora. Já Heloise tem um vestido azul escuro, uma veste longa com capuz e um vestido verde. Nas cenas nas quais a relação entre as duas vai se tornando mais próxima as roupas utilizadas são de cores complementares enfatizando o vínculo existente entre elas.
Se a referência iconográfica do século XVIII se evidencia nos vestidos alguns adereços vão com esta contrastar. Menciono aqui a cena na qual um véu negro envolve parte da cabeça e pescoço das personagens enfatizando o desejo de um beijo e nos remetendo ao quadro Os amantes de Magrite.
Os quadros realizados por Marianne foram especialmente realizados para o filme por Hélene Delmaire. Esta artista realiza retratos de mulheres frequentemente rasurados. Tais rasuras presentes na obra de Delmaire, e no primeiro quadro pintado por Marianne, comunica a potência e os desejos represados das mulheres. A pintura de Delmaire se integra a temporalidade proposta para o filme ao mesmo tempo que traz a marca da contemporaneidade gerando uma imagem ruidosa.
O filme propõe um entrelaçamento de tempos e espaços na construção de sua visualidade. Os cenários e figurinos tem inspiração na iconografia do período em tela, mas os diálogos, cores, iluminação, objetos, e o som, expressam a contemporaneidade da abordagem a e lembram o espectador que a hetero normatividade e os cerceamentos impostos às mulheres não chegaram ao fim no século XXI. Quando Heloise postula a questão título deste artigo, verificamos que a mesma transcende os muros da pintura e do cinema, convocando o espectador para os diversos questionamentos sobre o olhar sobre o feminino, a arte e pulsão de vida propostos pelo filme.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Texto e grafia, 2008.
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O liso e o estriado. Trad. Peter Pál Pelbart. In. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1997
GONÇALVES, Osmar. Narrativas sensoriais http://editoracircuito.com.br/website/ wpcontent/uploads/2014/04/osmarmiolosaidabaixa2014-05-09.pdf
GONÇALVES, Osmar. Reconfigurações do olhar: o háptico na cultura visual contemporânea, https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/viewFile/26551/15145
LANZA, Amélia Gonçalves. La textura del deseo https:// books. google. com. br/books?
MARKS, Laura. The skin of the Film. Intercultural Cinema, Embodiment and the Senses. Duke University Press. Durham and London. 2000.
VIEIRA Jr, Erly . Por uma exploração sensorial e afetiva do real: esboços sobre a dimensão háptica do cinema contemporâneo, http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/15919