Ficha do Proponente
Proponente
- Andreson Silva de Carvalho (ESPM Rio)
Minicurrículo
- Doutor pelo PPGCOM da Universidade Federal Fluminense, na linha de pesquisa de Estudos de Cinema e Audiovisual. Já atuou como professor nos cursos de cinema da UFF e da Escola de Cinema Darcy Ribeiro. É atual professor de produção e edição de som do curso de cinema e audiovisual da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro.
Ficha do Trabalho
Título
- O som ao redor de Bacurau: conflitos e estranhamentos sonoros
Resumo
- A pesquisa pretende analisar o desenho sonoro do filme Bacurau (2019), com o objetivo de averiguar as estruturas sonoras elaboradas para contribuir com os conflitos da narrativa e gerar um estranhamento no espectador, mesmo que este se deixe levar pela percepção mais naturalista possível, através de sons que não são percebidos atentamente, mas que parecem transcorrer de forma natural, assim como defendido por Michel Chion, em sua definição de valor acrescentado (2008, p.12).
Resumo expandido
- Bacurau, cidade fictícia no sertão de Pernambuco, é marcada por diversos conflitos, alguns internos, outros externos. Estes conflitos são apresentados ao público não somente por suas imagens e estrutura narrativa, mas também por um desenho sonoro capaz de criar contrapontos e inquietudes que conduzem a alguns estranhamentos. Ainda assim, a sonorização do filme é concebida para que o espectador não perceba, de forma tão nítida, as composições elaboradas para conduzir sua percepção. É o que Michel Chion chama de valor acrescentado, onde “um som enriquece uma determinada imagem, até dar a crer, na impressão imediata que dela se tem, ou na recordação que dela se guarda, que essa informação, ou essa expressão, decorre “naturalmente” daquilo que vemos e que já está contida apenas na imagem.” (2008, p.12)
Se por um lado a linguagem clássica narrativa tem como um dos seus princípios a invisibilidade da edição de imagens e sons, por outro algumas estruturas se propõem à criação de sentido através do conflito entre duas ideias, no mínimo, distintas. Pudovkin, ao se questionar sobre o uso do som e o que ele poderia trazer de contribuição inovadora ao cinema, reflete que “seria inteiramente falso considerar o som como um mero instrumento mecânico que nos permite aperfeiçoar a naturalidade da imagem. […] a primeira função do som é aumentar o potencial expressivo do conteúdo do filme.” (1985, p.86) Assim ele defende um contraponto, um uso do som que vai além do simples reforço do que é visto na imagem.
Desta forma, este trabalho tem a proposta de analisar as relações entre som e imagem no filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. A ideia é averiguar como as estruturas criadas pelo desenho sonoro do filme contribuem para a percepção de estranhamentos e conflitos da história, e tentar entender se essas inquietações são produzidas através de rupturas da linguagem clássica ou se, mesmo elas, seriam invisíveis ao grande público. Será que os conflitos são gerados apenas pelo assincronismo sonoro defendido por Pudovkin ou é possível ter percepções diferenciadas mesmo no aparente naturalismo do valor acrescentado de Chion?
O primeiro estranhamento sonoro acontece ainda nos créditos iniciais, que são apresentados de forma tradicional, fundo preto com texto branco. Nele surge uma sonoridade que faz parte da música Não Identificado, composta por Caetano Veloso e gravada por Gal Costa. Um efeito sonoro tocado antes da melodia em si começar e que, assim como o título da música, pode-se aludir como um som não identificado. O estranhamento se torna ainda maior pelo fato desta sonoridade não estar associada a nenhuma imagem, o que dificulta a chance do espectador encontrar alguma relação e criar, mesmo mentalmente, algum sentido.
A identificação, ou não identificação, de algumas sonoridades, assim como sua posterior significação, são tratadas tanto por Chion, quanto Barthes, em seus estudos sobre escutas. Para Chion, mesmo que não consigamos identificar exatamente o que produz certa sonoridade, somos capazes de identificar a natureza do que causa determinado som, por exemplo, se é uma sonoridade mecânica, humana ou produzida por animais (2008, pp.27-29). Assim como Chion, Barthes entende que no primeiro estágio da escuta estão os índices, a partir de uma noção de território, onde os sons tanto podem revelar um perigo, quanto satisfazer uma necessidade, para em seguida nos despertar para a decifração, o sentido, a busca pelo que está oculto (1990, pp.217-222).
Para a tarefa de analisar as possibilidades criativas de um desenho sonoro faz-se fundamental o entendimento, dentre outras questões, de que ouvir é um fenômeno fisiológico e escutar, psicológico. Entender que suas relações são díspares, que cada espectador poderá perceber os conflitos entre som e imagem de formas diferentes, criar sentidos distintos dos pretendidos pela equipe do filme e que, mesmo com divergências significativas, não há nada de errado nisso.
Bibliografia
- BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios sobre fotografia, cinema, pintura, teatro e música. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1990.
CHION, Michel. A audiovisão: som e imagem no cinema. Lisboa: Edições Texto & Grafia Ltda., 2008.
OBICI, Giuliano. Condição da escuta: mídias e territórios sonoros. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
PUDOVKIN, V. I. Asynchronism as a Principle of Sound Film. In WEIS, Elisabeth & BELTON, John. Film sound: theory and practice. New York: Columbia University Press, 1985.