Ficha do Proponente
Proponente
- Laís de Lorenço Teixeira (Unicamp)
Minicurrículo
- Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Multimeios, no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Mestra em Multimeios – Unicamp. Graduada em Cinema e Audiovisual, na Universidade Federal Fluminense – UFF.
Com estudos no campo do documentário, em especial na América Latina, desenvolvidos a partir da subjetividade e experiência de seus realizadores.
Diretora do documentário Além de Mim (2017), co-direção Gabriela Billwiller, contemplado pelo Edital Curtas do Futura.
Ficha do Trabalho
Título
- Em meio à profusão: inscrição de si pelas filmagens domésticas
Resumo
- Investiga-se a inscrição subjetiva no documentário “Papirosen” (Gastón Solnicki, 2011, Arg.) através do documentário autobiográfico (TONELO, 2015) e do filme-ensaio (TEIXEIRA, 2019). O objetivo, a partir da análise do emprego das filmagens domésticas e da voz em off, é compreender como o realizador se insere na obra, apesar de usar sua avó como narradora. Defende-se esta articulação como base para inscrição subjetiva do realizador e atualização da memória familiar.
Resumo expandido
- O documentário que aborda questões íntimas de seus diretores, sejam acontecimentos do seu passado pessoal ou de sua família, se converteram em uma produção de fôlego na atualidade. Entretanto, uma vez assimilada esse tipo de produção, são diversos os dispositivos encontrados pelos realizadores para contar de si. O documentário “Papirosen” de Gastón Solnicki, 2011, (76 min.), Argentina, retira a narração da figura do diretor e a delega para sua avó, que narra a história da família.
Da mesma forma que muitos documentários autobiográficos (TONELO, 2017), esta obra também reflete a história pessoal dos diretores relacionando-a ao contexto mais amplo de acontecimentos sociais. O filme situa o processo de imigração da família Solnicki para a Argentina, inserindo-se no contexto maior de fuga de judeus da Europa.
Mesmo com a organização da narrativa pela voz off da avó, ainda assim indicamos a articulação pelo campo da autobiografia, por ser uma história compartilhada do diretor e sua família. Outrossim, convocamos o campo ensaístico para refletir essa presença compartilhada na narração, pela ideia de “intercessores” (TEIXERA, 2019). Devida a reflexão em processo constituinte do filme-ensaio, acenamos para a gravação em processo do diretor, que soma 200 horas de material bruto e uma entrada total no objeto filmado, no caso, sua própria família.
Os “intercessores” são subsídio para guiar o relato, fazem a vez do diretor/personagem, conduzem a narrativa, desembocando em dois efeitos: “um outro de si e um outro como alteridade radical que remete propriamente ao domínio público, momento em que a relação eu-mundo se intensifica e expande” (TEIXERA, 2019, p. 28). Essa confluência de experiências se abre e refere-se a experiência de um grupo de pessoas, nesse caso, representado, entre o privado e público, pela dinâmica familiar do diretor.
O exercício de contar de si se baseia, em “Papirosen”, basicamente a partir de dois pontos: a voz da avó que guia o relato e as filmagens domésticas. Centraremos especial atenção aos modos como o material de arquivo, os filmes domésticos, são utilizados na construção da obra e como se articulam para constituição subjetiva dos eus (em sentindo individual ou coletivo) que organizam o relato.
Os “filmes de família” (ODIN, 2013) não são objetos que mostram a intimidade dos retratados, ao contrário, são organizados ao redor dos momentos felizes (férias, celebrações, etc.). “Papirosen”, por outro lado, relata o cotidiano, as vezes até enfadonho, de sua família, de festas a brigas. Ao se opor ao retrato da família ideal, ele desafia a compreensão do que pode ser um filme de família. Nesse sentido, já afirma Roger Odin (2013, p.167): “As EGO produções não hesitam em contar aquilo que o filme de família tomava todo cuidado para eliminar: os conflitos familiares naquilo que eles têm de mais íntimo”.
Enquanto as relações e memórias familiares são inscritas e elaboradas nos filmes, o uso que fazem dos materiais de arquivo, associados a montagem com a voz off, indicam para a experiência do eu. Os materiais de arquivo mudam do estatuto ao serem montados no documentário, o registro familiar e pessoal se torna uma forma de expressão de um dos membros, o diretor.
Analisando o emprego e articulação do material de arquivo e a voz off, sinalizamos para um desejo de inscrição do diretor, assim como de reformulação dos sentidos dados aquelas imagens em um primeiro momento. Em outras palavras, ao mesmo tempo que conta a história de sua família, escancara os percalços que fogem de uma vista exterior e ideal, e conta de si. A profusão de imagens domésticas, de início filmadas sem uma ideia de filme definida, vão da observação ao retrato íntimo. As imagens filmadas são montadas de modo a construir um sentido da família, e mais, a atualizar a memória da trajetória familiar.
Bibliografia
- BLANK, Thais. Do cinema ao arquivo: traçando o percurso migratório dos filmes de família. Doc On-Line, n. 13, p.5-20, 2012.
LINS, Consuelo; REZENDE, Luiz Augusto; FRANÇA, Andréa. A noção de documento e a apropriação de imagens de arquivo no documentário ensaístico contemporâneo. Revista Galáxia, São Paulo, n. 21, p. 54-67, jun. 2011.
ODIN, Roger. “As produções familiares de cinema e vídeo na era do vídeo e da televisão”. Cadernos de Antropologia e Imagem, 17, Rio de Janeiro, 2003.
SEIXAS, Jacy. A. de. Os Tempos Da Memória: (Des)Continuidade E Projeção. Uma Reflexão (in)Atual Para a História? Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, 2002.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Filme-ensaio e formas de inscrição da subjetividade. Doc On-Line, n. 26, 2019: p 25-49.
TONELO, Gabriel Kitofi. O documentário autobiográfico: o cinema de Cambridge e a obra de Ross McElwee. 2017. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP.