Ficha do Proponente
Proponente
- Luiz Fernando Coutinho de Oliveira (UFMG)
Minicurrículo
- Mestre em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutorando pelo programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ficha do Trabalho
Título
- Da literatura ao cinema: por uma teoria da influência cinematográfica
Resumo
- Através de uma discussão sobre a influência no campo da literatura comparada – abordando autores como René Wellek, T.S. Eliot, Roland Barthes, Maurice Blanchot e, principalmente, Harold Bloom –, pretende-se proceder à discussão da possibilidade de uma teoria da influência no cinema, atentando para os obstáculos metodológicos e conceituais de tal empreitada. Partindo de Bloom, coloca-se a questão: é possível compreender todo filme como um “interfilme” que revê e distorce filmes precursores?
Resumo expandido
- No campo da literatura comparada, a busca por “fontes e influências” fundamentou-se na construção de filiações entre diferentes escritores. Autores como René Wellek (1994) criticaram nesta abordagem comparatista o acúmulo mecânico de paralelos, semelhanças e identidades entre as obras. Para ele, compreender a obra de arte como mero somatório de trabalhos anteriores era um erro: era preciso compreender a obra como “conjuntos em que a matéria-prima vinda de outro lugar deixa de ser matéria inerte e passa a ser assimilada numa nova estrutura” (WELLEK, 1994, p. 111). Apesar de seus esforços e de outros, “influências poéticas continuam a ocorrer e a despeito das indiferenças dos críticos” (GUILLÉN, 1963, p. 149).
Harold Bloom, importante teórico dos estudos literários, devotou grande parte de seus escritos à noção de “influência poética”, elaborando uma teoria da poesia estritamente ligada à história das relações que os poemas mantém entre si – relações que ele designa como “intrapoéticas”. Segundo o autor, poetas tardios travam com poetas do passado uma espécie de confronto agonístico em que os primeiros buscam superar a influência dos segundos, prevenindo-se da morte criativa e abrindo para si um espaço imaginário próprio. A história da poesia, para Bloom (2002, p. 56), “é indistinguível da influência poética, uma vez que os poetas fortes fazem essa história distorcendo a leitura uns dos outros”.
Em seu texto “Tradição e talento individual”, T. S. Eliot afirma que a tradição literária envolve um sentido histórico em que o poeta é levado à percepção da presença incontornável do passado. Neste sentido, o poeta escreve “não somente com a própria geração a que pertence em seus ossos, mas com um sentimento de toda a literatura europeia desde Homero” (ELIOT, 1989, p. 39) – o que Eliot cunha de “mente da Europa”. A análise de determinado poeta só se torna possível através da “apreciação de sua relação com os poetas e os artistas mortos” (ibidem), isto é, a partir das comparações que situam este poeta entre os literatos do passado. Quanto à evolução do artista, ela consistiria em um contínuo apagamento da personalidade do poeta, consonante à consciência que este adquire do passado: para contribuir com a tradição enquanto talento individual, o poeta deveria abdicar paulatinamente de sua personalidade e reconhecer a importância mais decisiva da “mente da Europa” em que ele se insere.
Em Harold Bloom, por outro lado, a luta agonística entre poetas consiste em um conflito pela soberania do talento individual em detrimento da tradição literária. Enquanto Eliot busca apenas situar o poeta em uma história da poesia (uma história que conduz à extinção da individualidade poética), Bloom busca singularizá-lo a partir da distorção que o poeta realiza de seus antecessores (em abordagem que privilegia, justamente, a individualidade). No entanto, esta distorção, que Bloom (1994, p. 16) chama de “desapropriação poética ou desleitura criativa”, não permite “uma autonomia de significado totalmente presente, livre de todo contexto poético”; isto porque todos os poemas pertencem a uma história da poesia na medida em que com ela dialogam inevitavelmente.
Os instrumentos metodológicos de Harold Bloom, nomeados “proporções revisionárias”, são próprios à leitura poética. Conscientes disto, será que poderíamos estender suas reflexões sobre influência ao campo do cinema? Na medida em que qualquer poema, para Bloom, é um “interpoema”, por nunca ser “escritura, mas re-escritura”, poderíamos ponderar sobre a possibilidade de qualquer filme ser um “interfilme”, por nunca ser exatamente filmagem, mas refilmagem? É possível uma história das formas cinematográficas que contemple as revisões e distorções que os filmes realizam de filmes precedentes? A comunicação tem por objetivo partir destes questionamentos para seguir rumo à compreensão da noção de influência no cinema, atentando para os obstáculos metodológicos e conceituais que se impõem diante do percurso.
Bibliografia
- BARTHES, R. O grau zero da escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BORGES, J. L. “Kafka y sus precursores”. In: Otras inquisiciones, Obras completas. v. 2. Buenos Aires: Emecé Editores, 1974.
BLANCHOT, M. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BLOOM, H. Poesia e repressão: o revisionismo de Blake a Stevens. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
_____. A angústia da influência: uma teoria da poesia. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
ELIOT, T.S. “Tradição e talento individual”. In: Ensaios. São Paulo: Art Editora, 1989.
FIESCHI, J.A. “Relire l’histoire”. In: Cahiers du cinéma, nº 198, fev. 1968.
GUILLÉN, C. “The concept of influence in comparative literature: a symposium”. In: Comparative Literature Studies, Special Advance Number, 1963.
WELLEK, R. “A crise da literatura comparada”. In: CARVALHAL, T.; COUTINHO, E. (Orgs.). Literatura comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
WOLLEN, P. Signs and meaning in the Cinema. London: Secker and Warburg, 1972.