Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernando Weller (UFPE)

Minicurrículo

    Cineasta e Professor Adjunto do Departamento de Comunicação da UFPE, atuando no Curso de Cinema e Audiovisual. Doutor em Comunicação pela UFPE.

Ficha do Trabalho

Título

    A Unesco e as contradições de um projeto universal no Documentário

Resumo

    A presente comunicação parte de pesquisas realizadas no Arquivo da Unesco, em Paris, através do projeto de pós doutorado intitulado “A utopia do Direto na crítica cinematográfica francesa nos anos 1960”. Em 2020, tivemos acesso aos dossiês de trabalho de Enrico Fulchignoni, então chefe da seção de Filmes e Cultura da Unesco (1963-66). Fulchignoni foi pesquisador, cineasta e teve um papel central nos anos 1960, atuando como um elo entre realizadores audiovisuais, críticos de cinema e a Unesco.

Resumo expandido

    “O grupo sincrônico-leve: por um novo cinema nos países em desenvolvimento” é o título de uma comunicação apresentada pelo cineasta franco-italiano Mario Ruspoli no âmbito da Segunda Mesa Redonda sobre Cinema e Cultura Árabe, em Beirute, promovida pela UNESCO entre 28 e 30 de outubro de 1963. O texto é um resumo das transformações ocorridas no domínio do documentário nos países desenvolvidos e marca um esforço de universalização das tecnologias vinculadas ao emblema do Cinema Direto para outros contextos cinematográficos, sobretudo no chamado Terceiro Mundo. A intenção era clara: sistematizar o uso de uma determinada tecnologia, propagando uma espécie de kit audiovisual, e ensiná-la aos cineastas dos chamados países subdesenvolvidos. A fala de Ruspoli termina com o desejo expresso de que, no âmbito da Unesco, seja criada uma instituição de pesquisa e fomento do audiovisual no plano internacional, segundo o modelo já existente do National Film Board Canadense.

    É emblemático que Ruspoli não fale exatamente sobre a cultura ou cinema árabe, tema da mesa redonda. No entanto, a sua fala pode ser compreendida como endereçada ao cinema árabe ou às outras cinematografias nacionais, que não a dos países França, EUA e Canadá. Ao mesmo tempo em que o texto prega uma libertação do documentário dos modelos tradicionais e limitados pela indústria audiovisual, há um tom colonialista notável na fala de Ruspoli. Trata-se de um cineasta europeu, enquadrado em uma instituição apoiada por ideais ocidentais como a Unesco, em um evento situado em Beirute, cujo sentido, expresso logo no cabeçalho da sua fala é transmitir a fórmula de um novo cinema para os “outros”. Essas mesas redondas acontecem em outros lugares ao longo dos anos 60, com o patrocínio da Unesco (União Soviética, Alemanha e Líbano, por duas vezes), sempre com um espírito de fomentar os cinemas nacionais, através do intercâmbio de países desenvolvidos. Podemos nos perguntar o que moveram tais debates, que tiveram seu ponto culminante entre os anos de 1962 e 1966, mas que ecoam discussões anteriores, que dizem respeito à criação da Unesco entre os anos de 1945 e 1948, momento que contou com a participação de um personagem crucial na história do documentário, como primeiro chefe do Setor de Informação, o escocês John Grierson.

    As profundas transformações pelas quais passava o Documentário nos anos 60 eram, de certa forma, simultâneas às transformações que a própria Unesco e todo o chamado sistema ONU passava, a partir da emergência de novos atores internacionais nos fóruns e organismos, surgidos das lutas anticoloniais, sobretudo na África. Os novos países independentes passaram a assumir assentos nos referidos fóruns, multiplicando o número de membros e alterando a correlação de forças anterior. Tais acontecimentos deslocaram as tensões que ocorriam no âmbito da Guerra Fria entre os blocos Comunista, de um lado, e, do outro, o bloco liderado pela França, Inglaterra e EUA representando o mundo capitalista. A partir dos anos 60, no entanto, as disputas Norte e Sul tornam-se agudas na Unesco e as pretensões universalistas expressas na carta de intenções originária da instituição são, pouco a pouco, reformadas em direção a uma concepção multiculturalista. Tal processo, como veremos na presente comunicação, não se deu sem contradições e o Cinema Documentário da época foi um dos campos privilegiados para a sua compreensão.

Bibliografia

    BAECQUE, Antoine. Cinefilia: invenção de um olhar, história de uma cultura : 1944-1968. Rio de Janeiro: CosacNaify, 2010.
    DRUICK, Zoë . UNESCO, Film, and Education: Mediating Postwar Paradigms of Communication in WASSON, Haidee e ACLAND, Charles R. Useful Cinema, Duke University Press, 2011.
    GRAFF, Séverine. Le cinéma-vérité. Films et controverses. Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2014.
    HOLLY, Daniel A. Les Nations Unies et la mondialisation, pour une économie politique des organisations internationales. Paris: l’Harmattan, 2003.
    MARCORELLES, Louis. Une Esthétique du réel, le cinéma direct. Paris: Unesco, 1964.
    MARSOLAIS, Gilles. L’Aventure du cinéma direct revisitée. Quebec: Ed. Les 400 coups, 1997.
    MAUREL, Chloé. L’Histoire de l’Unesco, les trente premières anées. 1945-74. Paris, l’Harmattan, 2010.
    RUSPOLI, Mario. Pour un nouveau cinéma dans les pays en voie de developement. Le groupe synchrone cinémathographique léger. Paris: UNESCO, 1963.