Ficha do Proponente
Proponente
- Klaus Berg Nippes Bragança (UFES / UERJ)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação pelo PPGCom/UFF. Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo PósCom/UFBA. Graduado em Comunicação Social pelo DepCom/UFES. Professor no curso de Cinema e Audiovisual da UFES. Atualmente desenvolve a pesquisa de Pós-Doutorado “As Doenças do Cinema: epidemias midiáticas no horror contemporâneo” no PPGCom/UERJ. Autor do livro “Realidade Perturbada: corpos, espíritos, família e vigilância no cinema de horror” (Appris, 2018).
Ficha do Trabalho
Título
- As doenças da mídia: contágio infodêmico no cinema de horror
Resumo
- Crises epidêmicas atravessam a história e inspiram “cronistas da peste” a retratarem a enfermidade de suas épocas, expondo a degradação dos doentes em “danças macabras”. De forma similar, o cinema de horror representa os males capazes de infectar o corpo e a mente do indivíduo. Alguns filmes apresentam epidemias causadas por tecnologias de comunicação, como um “vírus informacional”, difundido através da mídia. Este trabalho investiga as doenças infodêmicas contraídas pelo cinema de horror.
Resumo expandido
- Momentos de pandemia como o que vivemos são constantes na história e determinam mudanças significativas em nossos comportamentos sanitários e sociais como medida de prevenção. A disseminação desenfreada do Sars-Cov-2 revitalizou um medo resistente, incubado em nosso imaginário: a volta das doenças contagiosas. Os relatos produzidos durante episódios epidemiológicos do passado parecem espelhar a mentalidade e a atualidade do momento vivido. Essas “crônicas da peste” servem como um acervo histórico que nos ajuda a traduzir o horror do presente.
Entre as alegorias mais repetidas nestas crônicas está o tema da “Dança Macabra”, como modo de personificar a proximidade da morte. As danças macabras eram compostas com cadáveres e ossadas que se relacionavam junto aos sobreviventes, ora de maneira mais ameaçadora e repugnante, ora mais descontraída e animada, como comenta Maria Riberio: “nessas ilustrações, vários esqueletos dançam com pessoas de diferentes idades e situações sociais” (2012, p. 71).
Além da arte, há um apresso dos meios de comunicação pelas doenças, renovado a cada surto epidêmico. Para Bertolli Filho (2012) a mídia emprega um discurso insistente que tende, mesmo sub-repticiamente, a preservar uma visão fatalista sobre o futuro da humanidade. Trata-se de uma pauta pública rotineira que esmiúça dramas e tragédias pessoais através de metáforas que exploram os medos e as consequências sociais das doenças.
Tais propriedades metafóricas são analisadas por Susan Sontag nas mensagens midiáticas sobre a Aids. Para Sontag “a genealogia metafórica da aids é dupla. Enquanto microprocesso, ela é encarada como o câncer: como uma invasão. Quando o que está em foco é a transmissão da doença, invoca-se uma metáfora mais antiga, que lembra a sífilis: a da poluição” (1989, p. 21-22). Enquanto doença invasora, a Aids foi retratada como “um agente infeccioso que vem de fora”, sendo que a mídia produziu imagens e narrativas distintas de uma “doença infiltrando a sociedade”. Metáforas de teor pejorativo e preconceituoso, como “câncer gay” ou “peste gay”, foram associadas à “impureza” de grupos minoritários acusados de espalhar a doença.
Na década de 1990, a partir da popularização da informática e da internet, houve uma conjugação das doenças à cultura digital. Uma “cultura viral”, segundo Jeffrey Weinstock (1997), marca de uma sociedade obcecada com a fobia do contágio. Os traumas adquiridos com os vírus biológicos despertaram novas fobias associadas aos “vírus tecnológicos”. Esta associação entre doenças e tecnologia é apresentada em filmes sobre epidemias derivadas do mau uso da tecnociência, e também nas que são adquiridas através da tecnologia, como analisa Daniel Dinello: “como uma infecção viral, a tecnologia se desenvolve em uma força autônoma e invasiva que se expande e cumpre seu potencial perigoso” (2005, p. 247).
No século XXI, “viralizar” tornou-se um termo adotado para avaliar a capacidade de dispersão de determinado conteúdo de mídia, como uma “informação viral”. Durante a pandemia do novo corona vírus, John Zarocostas (2020) alertou a OMS sobre uma doença oportunista surgida com a crise sanitária e que se espalhava de maneira tão veloz quanto a própria covid-19: a infodemia.
Na rubrica “horror de pandemia” defendida por Johan Höglund (2017), as epidemias midiáticas não são um fenômeno tão evidente quanto a onda infodêmica atual. Podemos remontar a David Cronenberg em seu Videodrome: A síndrome do vídeo (1983), cujo enredo propõe um contágio a partir das mensagens televisivas. Já em À beira da loucura (John Carpenter, 1994), os romances de um escritor são capazes de afetar seus leitores, transformando-os em assassinos enlouquecidos. O filme de Bruce McDonald, Pontypoll (2008), oferece uma narrativa em que as transmissões de rádio provocam uma infecção semântica em seus ouvintes. E Celular (Tod Williams, 2016) explora uma epidemia alastrada através do telefone celular, uma “doença digital” contraída por aparelhos e usuários.
Bibliografia
- BERTOLLI FILHO, C. “Novas doenças, velhos medos: a mídia e as projeções de um futuro apocalíptico”. In: MONTEIRO, Y. N.; CARNEIRO, M. L. T. (Org.). As doenças e os medos sociais. SP: FAP-UNIFESP, 2012, p. 13-36.
DINELLO, D. Technophobia! Science fiction visions of posthuman technology. Austin: University of Texas Press, 2005.
HÖGLUND, J. “Eat the rich: pandemic horror cinema”. In: Transtext(e)s Transcultures – Journal of Global Cultural Studies, N.12, 2017.
RIBEIRO, M. I. B. “Arte e Doença: Imaginário Materializado”. In: MONTEIRO, Y. N.; CARNEIRO, M. L. T. (Org.). As doenças e os medos sociais. SP: FAP-UNIFESP, 2012, p. 61–81.
SONTAG, S. Aids e suas metáforas. SP: Companhia das Letras, 1989.
WEINSTOCK, J. A. “Virus Culture”. In: Studies in Popular Culture, Vol. 20, n. 1, Oct. 1997, p. 83-97.
ZAROCOSTAS, J. “How to fight an infodemic”. In: The Lancet, Vol. 395, n. 10225, 29 fev. 2020, p. 676.