Ficha do Proponente
Proponente
- Alice Andrade Drummond (USP)
Minicurrículo
- Alice Andrade Drummond é realizadora, diretora e professora de fotografia, e mestranda em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP com bolsa CAPES e pesquisa sobre representações audiovisuais de catástrofes contemporâneas. É também sócia da produtora audiovisual A Flor e a Náusea e membra do DAFB – Coletivo de mulheres e pessoas transgênero do departamento de fotografia do cinema brasileiro.
Ficha do Trabalho
Título
- Investigando quadros de dor: uma pedagogia para a imagem da catástrofe
Seminário
- Cinema e Educação
Resumo
- Ao perscrutar imagens dos rompimentos das barragens de minério em Mariana e Brumadinho, à luz da metodologia teórico-prática aplicada por Harun Farocki em A Prata e a Cruz (2010), a exposição põe em contato os grandiloquentes registros dessa catástrofe produzidos pela grande mídia, imagens de cineastas profissionais do ocorrido e aquelas captadas por atingidos enquanto fugiam e gravavam a sua dor, a fim de investigar como estas imagens tomam posição e ensejam o conhecimento frente à catástrofe.
Resumo expandido
- Algumas inquietações sobre formas de ver, produzir e analisar imagens de eventos catastróficos motivam e permeiam esta exposição. Diante do incessante fluxo de imagens de dor em tempos de visibilidade total – onde vemos até o que não gostaríamos – o que propõe a criação audiovisual frente às catástrofes? Como se dá o conhecimento pelas imagens em meio a atual transparência imagética contrastada com uma apreensão tão opaca do real?
Não é de hoje que nos deparamos com imagens de dor que “penetram todas as casas”, como atentou David Perlov em seu Diário 1973-1983 (1983) ao pensar no início da cobertura televisiva de guerras à época da guerra de Yom Kippur. No entanto, é notável que a partir dos registros audiovisuais amadores do atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 algo sobre nossa apreensão veio se alterando: a grande mídia tem perdido seu monopólio discursivo sobre imagens de catástrofes. Quem agora produz tais imagens são também cidadãos atingidos correndo pela vida enquanto gravam cenas dos escombros e da morte. Foi também assim que assistimos ao desastre na usina nuclear de Fukushima em 2011, disseminado mundialmente pelos numerosos vídeos captados por habitantes locais. Similarmente, e bem mais próximo a nós, em 2015 e 2019 deparamos-nos com inúmeras imagens dos rompimentos das barragens de rejeitos de minério de ferro que se abateram sobre Mariana e Brumadinho em Minas Gerais.
A despeito da cobertura midiática destes crimes em Minas nos ter oferecido imagens inimagináveis, que superam o imaginário de um filme de ficção científica, estas foram pouco investigadas na sua real conexão com o nosso tempo. Partindo do conhecimento gerado por outras mãos que agora empunham suas câmeras, algumas perguntas vêm à mente: por que as imagens grandiloquentes registradas e exibidas pelo telejornalismo, com seus drones que “a tudo vêem”, parecem-nos menos didáticas daquelas captadas pelos celulares trêmulos dos que filmaram ao tempo que fugiam para não serem soterrados? O que se altera na produção e pensamento críticos quando não apenas filmamos a dor dos outros (SONTAG, 2003) mas também gravamos a nossa própria dor? Cineastas profissionais e movimentos sociais, no corpo-a-corpo com os atingidos, também se debruçaram sobre essa catástrofe e nos propuseram distintas imagens, mas resta averiguar de que forma e se de fato elas diferem daquelas produzidas pela grande mídia. Estaria o nosso imaginário comprometido diante da visibilidade total? Essa transparência imagética acarretaria numa inacessibilidade ao acontecimento, uma vez que a onipresença de imagens poderia ofuscar noções da história?
Buscando mapear, escavar e ir nas minúcias, numa espécie de arqueologia do que se há para ver – ver por entre e ver através – retomamos Harun Farocki que em sua videoinstalação A Prata e a Cruz (2010) resgata e executa uma dissecação de fragmentos de uma pintura acerca da colonização da América espanhola para depois recompô-los, relacionando versões da história forjadas pelas artes e destacando aquela assumida pelos oprimidos. No caso do rompimento da barragem em Brumadinho alguns telejornais, por meio de zooms, slow motions e intervenções gráficas, também reescalonaram e destacaram partes das imagens, mas o procedimento ali apresentou-se apenas como uma leitura do ocorrido que reverencia certo sensacionalismo, adicionando ainda mais choque às imagens. Paradoxalmente, tal como no trabalho de Farocki, há nesta metodologia que apura os quadros uma potência analítica. Algo que o cinema engajado com a compreensão do hoje também possa se empenhar a fim de ativamente “abrir os olhos”, como sugere Didi-Huberman no prefácio ao livro Desconfiar de las imágenes de Farocki.
Propomos estudar alguns registros audiovisuais da catástrofe em Minas Gerais em sua multiplicidade de olhares e formatos, num exercício de tomar emprestado metodologias teórico-práticas empenhadas no desencobrimento e que possam contribuir para uma pedagogia destas imagens.
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 2012.
DIDI-HUBERMAN, Georges. “Cómo abrir los ojos”. In: FAROCKI, Harun. Desconfiar de las imágenes. Buenos Aires: Caja Negra, 2015.
________________. Quando as imagens tomam posição: o olho da história, I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017.
FAROCKI, Harun. Desconfiar de las imágenes. Buenos Aires: Caja Negra, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GALERA, Daniel. “Ondas catastróficas”. In: Revista Serrote. São Paulo: n. 32, jul/2019.
KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Cia das Letras, 2020.
MONTEIRO, Lúcia Ramos. “Diante da catástrofe. Imagem em movimento, imagem-apagamento e cemitério marinho”. In: ARS. São Paulo: n. 33, v. 16, ago/2018.
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Cia das Letras, 2003.
XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.