Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Francisco José Pereira da Costa Júnior (UFF)

Minicurrículo

    Técnico de som direto de cinema e operador de áudio de TV.
    Argumento, roteiro e direção em Beber, Conversar e se Der Cantar (doc, mini-DV, 2007).
    Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Unipli.
    Mestrando do PPGCine – UFF.
    Cursos extras:
    Oficina O Filme Etnográfico, com Catarina Alves (Pt) – UFF, 2014
    Operação de Edição de Áudio – RioFilme/Senai, 2013
    Oficina de Som para Cinema e TV – Núcleo de Produção Digital de São Carlos, 2011
    O Som no Cinema – Caixa Cultural, 2008

Ficha do Trabalho

Título

    Orgasmos musicais e revolução cultural em América do Sexo

Resumo

    América do Sexo, filme de 1969, foi censurado pela Ditadura Militar por longos anos e
    depois de sua liberação não teve um lançamento oficial, permanecendo obscuro na cinematografia brasileira. Nosso trabalho pretende fazer uma revisão da sua trilha musical apontando aspectos culturais, sociais, políticos, ideológicos, organizados por vezes de forma intertextual e que corroboram com uma determinada faceta antropofágica do cinema moderno brasileiro.

Resumo expandido

    América do Sexo é uma produção de longa-metragem composta por quatro filmes de curta duração, uma iniciativa coletiva contando com quatro diretores. Esta esquematização foi um recurso recorrido pelo cinema moderno brasileiro dos anos 1960/1970. A produção é da Servicine e Filmes do Paralelo, mais os produtores associados Rubens Maia (um dos realizadores) e Antônio Polo Galante. Este último produtor pioneiro na Boca do Lixo paulistana emplacou diversos sucessos de bilheteria com pornochanchadas (RAMOS; SCHVARZMAN, 2018, pp. 324-328), e provavelmente por conta disso América do Sexo tem um título chamativo e explora a nudez da atriz Ítala Nandi. Mas sua narrativa passa ao largo da superficialidade comercial que estigmatizou a Pornochanchada, se caracterizando por aspectos sociopolíticos e técnica experimental.
    O filme de 1969, conta com os episódios em ordem de exibição: Colagem (Luiz Rosemberg Filho), Balanço (Flávio Moreira da Costa), Bandeira Zero (Rubens Maia) e Sexta-Feira da Paixão Sábado de Aleluia (Leon Hirzsman), sem continuidade narrativa e com uma mesma atriz em comum, a Ítala Nandi. Todos os episódios são adequados ao Cinema Marginal, tanto esteticamente (fragmentação e experimentação narrativa) quanto em condições de produção (filmes com equipe reduzida, de baixos orçamentos, de brevíssimos cronogramas, com equipamentos emprestados e compartilhados). São narrativas que abordam a emancipação feminina, sexo, amor livre, em tempos de repressão ditatorial no Brasil e de uma pretensa revolução sexual acontecendo na Europa e nos EUA. No contexto histórico que circunda a produção temos o Ato Institucional n° 5 que destitui o Congresso Nacional e cassa os direitos políticos de opositores ao regime militar e o maio de 68 na França que reverbera em todo o Ocidente. Nossa análise se volta para a trilha musical onde encontramos elementos do cinema moderno que se contrapõe ao clássico, um experimentalismo com profusão de ritmos musicais, trechos curtos e curtíssimos (muitas vezes tão efêmeros que não reconhecemos as composições), música popular difundida no rádio e executadas de long plays de vinil, corte seco promovendo descontinuidade sonora. A psicodelia libertária do rock n’ roll; o regionalismo da música nordestina associado à ruralidade; a marchinha de carnaval, o iê-iê-iê, a jovem guarda, estilos urbanos do Brasil; música erudita, contemporânea de vanguarda e até um hino cívico, todo esse universo diversificado compõe a miscelânea sonora amalgamada pelos episódios.
    Argumentamos que no filme são descartadas as funções de direção musical e composição, que a ideia é que os próprios diretores selecionem as músicas e canções aumentando o espectro autoral do realizador. Pela escolha dos repertórios, os cineastas deixam suas marcas estilísticas em uma “música de autor”, termo cunhado por Claudia Gorbman (2007) nos estudos de cinema. Salvo a exceção de Sexta-Feira da Paixão Sábado de Aleluia onde se dá, por indução do diretor, um processo minimalista de composição de uma canção – reducionista em acordes e no encadeamento dos versos. Através da “música de autor” do filme podemos identificar aspectos culturais, sociais, políticos, ideológicos, fundamentais para a criação/invenção. As referências da televisão, do rádio, da publicidade, dos quadrinhos, da cultura popular, da sociedade de consumo, do conteúdo importado, da contracultura, da revista especializada, da arquitetura e espaços urbanos, e não menos relevante, a organização da seleção musical, atualizam no filme o antropofagismo cultural proposto por Oswald de Andrade.
    América do Sexo foi censurado por anos e depois de liberado, sua circulação permanece restrita. Em obras importantes que esmiuçam o Cinema Marginal, como a organização Nova história do cinema brasileiro volume 2 realizada por Fernão Ramos e Sheila Schvarzman e Cinema de Invenção de Jairo Ferreira, a obra é apenas mencionada de passagem. Toda uma carga histórica o estigmatiza como filme obscuro do nosso cinema

Bibliografia

    ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago. In: ANDRADE, G.; SCHWARTZ J. (Org.). Manifesto Antropófago e outros textos. SP: Companhia das Letras, 2017

    CHION, Michel. A Audiovisão – Som e imagem no cinema. Lisboa: Ed. Texto & Grafi, 2008.

    DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil platôs vol. 5. SP: Ed. 34, 2017

    FERREIRA, Jairo. Cinema de Invenção. RJ: Azougue Editorial, 2016

    GARDNIER, Ruy. América do Sexo. Em www.portalbrasileirodecinema.com.br/marginal/filmes/longas/02_01_14.php, 2005.

    GUERRINI JR., Irineu. A música no cinema brasileiro: os inovadores anos sessenta. SP: Terceira Margem, 2009

    GORBMAN, Claudia. Auteur music. In: GOLDMARK, D., KRAMER, L., LEPPERT, R. (Org.). Beyond the soundtrack: representing music in cinema. LA: University of California Press, 2007.

    RAMOS, Fernão Pessoa. Cinema Marginal (1968/1973) – A representação em seu limite. SP: Ed. Brasiliense, 1987

    ____________________; SCHVARZMAN, Scheila (Org.). Nova história do cinema brasileiro vol. 2. SP: Ed. Sesc, 2018