Ficha do Proponente
Proponente
- Ricardo Tsutomu Matsuzawa (UAM)
Minicurrículo
- Graduado em Comunicação Social – RTV e Especialização em Fundamentos das Artes e Cultura pela UNESP. Mestre em Comunicação Contemporânea e professor da Universidade Anhembi Morumbi. Experiência em várias áreas da produção audiovisual com ênfase em Fotografia. Participando de alguns festivais e mostras. Pesquisou a produção do cineasta Wim Wenders e atualmente estuda a questão do Humanismo nas peças audiovisuais de ficção científica.
Ficha do Trabalho
Título
- Sete Anos em Maio: fabular o irrepresentável
Resumo
- A comunicação pretende discutir a obra Sete Anos em Maio (2019) de Affonso Uchoa, que se filia as práticas contemporâneas que navegam em um território complexo na relação da contaminação do documentário e ficção e vice-versa. Se a ficção carrega a “suspensão da descrença” em seu mundo próprio e o documentário a noção de “documento” ou “monumento”, no filme, elas se entrançam entre o fato do mundo histórico e vida, que são revisitados e reconfigurados pela fabulação.
Resumo expandido
- A comunicação pretende discutir a obra Sete Anos em Maio (2019) de Affonso Uchoa, média metragem que se filia as práticas contemporâneas de algumas obras no cinema brasileiro, que navegam em um território complexo na relação da contaminação do documentário e ficção e vice-versa em suas atribuições canônicas. Se a ficção carrega a “suspensão da descrença” (MACHADO, 2011) em seu mundo próprio e o documentário a noção de “documento” ou “monumento”, no filme, elas se entrançam entre o fato do mundo histórico e vida, que são revisitados e reconfigurados pela fabulação.
Ao retratar o estado de exceção presente na periferia, a violência policial, o genocídio negro, o cotidiano de humilhação, opressão e o medo que massacra jovens, em um duplo ético da impossibilidade da representação e uma experiência de exposição direta, fabular o irrepresentável como a tortura. Desconstruindo o castelo de cristal da ilusão delinquente do “mito da democracia racial brasileira” uma pacificação vista de cima para baixo, controladora e mantenedora da desigualdade, promotora da diluição, apagamento, apropriação da cultural, impondo a naturalidade, aceitação passiva e a concordância. É evidenciado o estado exceção, as relações das classes sociais, o apartheíd gerido pelo Estado e seus dispositivos de controle e repressão. Mas não apenas alocando como central a vítima e sua mera presença de corpo e visibilidade, mas com uma voz participativa e ativa de suas experiências. Obra construída com troca e escuta, onde representado (personagem) e quem filma se abrem para a experiência, uma relação, pertencimento, fala e escuta, – com quem filma e quem é filmado (COMOLLI, 2008) – uma tentativa de minimizar a alteridade, assimetrias e hierarquias das relações entre realizador e retratado. Entre o fio da navalha entre aplicar a técnica e as formas de produção em uma inventiva aplicação dos recursos disponíveis, não esquecendo da celebre afirmação de Paulo Emílio e a nossa incapacidade criativa de copiar (GOMES,1996), o cineasta descarta a estrutura aristotélica apresentando formas próprias para elaboração sofisticada e formal de sua obra, além da dupla tarefa apontada por por Liliane Leroux sobre a prática cinematográfica periférica:
(…) ir contra não apenas os regimes do cinema
mainstream ou colonial, ou hollywoodiano, mas também, e talvez
sobretudo, ir contra os estereótipos do próprio cinema nacional
de vanguarda, realizado por intelectuais brancos, de classe
média/alta, um cinema radical em muitos sentidos, porém repleto
de problemas no que diz respeito à representação do pobre, do
sertanejo, do índio, do negro, da mulher e das religiões e culturas
afro-brasileiras (LEROUX, 2019, p. 27)
Uma estrutura que mescla a “voz” do personagem/ator e suas próprias experiências, estruturando em uma fabulação em uma divisão de blocos: A reconstrução do trauma do personagem com jovens da comunidade em encenação/representação, vítimas para algozes, anti-catártica; um longo e seco depoimento com a ruptura de um contracampo e a postura ensaística final entre um “jogo”, morto, vivo, morto e as relações de poder.
Como um “inventário do presente” (XAVIER, 2006) o filme amplia a discussão da identidade com seu personagem/ator. Em Sete anos em maio, temos Rafael do Santos Rocha um sobrevivente, que expõe sua história de dor, humilhação e exilio que compõe os dados estatísticos do estado de exceção presente nas periferias brasileiras- “O real precisa ser ficcionado para ser pensado” (RANCIÈRE, 2009, pg.58)- mas entre tantos outros maios e outras milhares de incontáveis vítimas da opressão do estado, mortos que empilhados tampariam o céu. Mas não há noite que dure para sempre.
Bibliografia
- APPADURAI, A. Dimensões culturais da globalização. Lisboa: Ed Teorema, 2004
BHABHA, H.K. O local da cultura. Belo horizonte: editora UFMG, 1998.
COMOLLI, J. L. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
GOMES, P. E. S. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento, São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HALL, S. Da Diáspora. Identidades e mediações culturais. Belo horizonte: Humanitas, 2003.
HAN, BYUNG-CHUL. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Editora Vozes, 2015.
LEROUX, L. A Baixada tem, a Baixada filma: a periferia, da representação à autoapresentação. In: SALES, M.; CUNHA P.; LEROUX L. (orgs). Cinemas pós-coloniais e periféricos. Nós por cá todos bem/LCV, 2019.
LINS, Consuelo. Filmar o real. São Paulo: Zahar, 2008.
MACHADO, A. Novos territórios do documentário. DOC On-line n. 11, 2011.
RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. Rio de Janeiro: Editora 34, 2009.
XAVIER, I. O Cinema brasileiro moderno, Paz e Terra, 2006.