Ficha do Proponente
Proponente
- Ruy Cézar Campos Figueiredo (UERJ)
Minicurrículo
- Artista-pesquisador. Doutorando em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (bolsista CAPES). Mestre em Artes pela Universidade Federal do Ceará (bolsista FUNCAP). Bacharel em Audiovisual e Novas Mídias pela Universidade de Fortaleza.
Ficha do Trabalho
Título
- Almas errantes e fibra óptica: terra, tecnologia e imagens escavadas
Seminário
- Cinemas pós-coloniais e periféricos
Resumo
- Propõe-se remixar imagens do filme A Terra das Almas Errantes (1999), de Rithy Panh, para identificar e tecer relações entre infraestrutura das mídias, fantasmagoria, imagem e a memória sedimentada na terra. Situados pela narrativa documental sobre a instalação do primeiro cabo de fibra óptica a cruzar o Camboja, apresentam-se conceitos relevantes para os estudos de infraestruturas das mídias e a relevância do cinema e do audiovisual para os seus meios de pesquisar e apresentar conceitos.
Resumo expandido
- No filme A Terra das Almas Errantes (1999), de Rithy Panh, a documentação da instalação do primeiro cabo de fibra óptica através do solo cambojano suscita uma série de questões relevantes para os estudos de infraestruturas das mídias. Por meio da apropriação de trechos do documentário, propõe-se aqui experimentar modos audiovisuais de ensaiar respostas para tais questões, de certa forma oferecendo uma variação e um aprofundamento direcionado para questões já levantadas sobre o filme neste seminário (CAIRES, 2019).
Com isso, busca-se refletir transversalmente sobre/com: o modo do cineasta cambojano Rithy Panh de refletir sobre promessas de futuro tecnológico, presente precário e memórias traumáticas da história de seu país; as áreas de estudos sobre infraestruturas e arqueologia das mídias, que valorizam epistemologicamente práticas cinematográficas e artísticas para a realização de pesquisas, a especulação conceitual e a comunicação de conhecimento academicamente relevante; modos de comunicação acadêmica audiovisual (baseados em apropriação) ainda periféricos em encontros e revistas das áreas de cinema, comunicação e artes no Brasil.
Considera-se, ainda, que pensar sobre fibra óptica, para os estudos de cinema e audiovisual e conforme Starosielski (2015), envolve considerar que tal infraestrutura viabiliza a comunicação em tempo real de produções cinematográficas nacionais e internacionais com múltiplas localizações (especialmente as que envolvem animação digital e efeitos especiais dependentes do compartilhamento efetivo de vídeos de alta resolução). Além disso, com a expansão dos usos da rede digital pela setor cultural e social em razão da pandemia de SaRS-COV-2 desde o ano de 2020, a demanda por ampliação, garantia e qualificação das infraestruturas que viabilizam a rede tende a crescer.
Sumarizando a complexidade, crescente atenção e relevância para as humanidades e as ciências sociais da categoria “infraestrutura”, Anand, Gupta e Appel (2018, p. 3) apontam como as infraestruturas ao redor do mundo “oferecem arqueologias de provisionamento diferencial que pré-datam o neoliberalismo”, de modo que a experiência da infraestrutura desde muito tempo foi “uma distinção afetiva e corporificada entre a cidade dos colonizadores e a cidade pertencente aos colonizados”. Com isso, querem destacar que na lógica operacional do desenvolvimento infraestrutural costuma haver uma colonialidade embutida e recorrente na promessa de modernidade e de um futuro melhor que raramente se concretiza de modo equânime entre cidadãos.
As autoras destacam como há uma vida política e material das infraestruturas que contrasta, normalmente, com as promessas de progresso tecnológico, igualdade liberal e crescimento econômico, revelando relações frágeis e violentas entre as pessoas, as coisas e as instituições que as governam ou as oferecem provimento (ANAND, GUPTA & APPEL, 2018, p. 3). É em razão de tal tensão que nas ciências sociais e humanas têm se tornado cada vez mais significativas questões como: “o que as infraestruturas prometem? O que as infraestruturas fazem? E o que a atenção para as suas vidas – sua construção, uso, manutenção e falha; sua poética, estética e forma – revela?” (id.).
A Terra das Almas Errantes (1999) oferece respostas significativas para tais questões, situando o contraste entre o progresso tecnológico e a instalação do mundo digital no Camboja, marcado tanto pelo passado colonial da Indochina francesa quanto pela ditadura genocida do Khmer vermelho. Profundamente ferido pelas promessas da modernidade, o solo recebe a infraestrutura de fibra óptica que viabiliza o futuro digital e na sua escavação se revelam fantasmas, bombas e um tecido social precário e frágil. Conhecendo o trabalho e os trabalhadores que realizam a instalação da primeira rede de fibra óptica do país, as feridas abertas pela modernidade se evidenciam e contrastam com novas promessas que andam sendo feitas desde a virada do milênio até o presente.
Bibliografia
- APPEL, Hannah; ANAND, Nikhil; GUPTA, Akhil. “Introduction: Temporality, politics, and the promise of infrastructure.” In: The promise of infrastructure, pp. 1-38. Durham, NC: Duke University Press, 2018.
CAIRES, Andressa. “A catástrofe do Agora em Terra das Almas Errantes”. pp.100-114. in: Cinemas pós-coloniais e periféricos / organização: Michelle Sa-les, Paulo Cunha, liliane leroux. – Guimarães : Nós por cá todos bem – Associação Cultural; Rio de Janeiro: Edições lCV, 2019
La terre des âmes errantes. Direção de Rithy Pahn. Paris: Institut National de L’audiovisuel e La Sept Art. 1999
STAROSIELSKI, Nicole. “Fixed flow: Undersea cables as media infrastructure.” In Signal traffic: Critical studies of media infrastructures, pp. 53-70. University of Illinois Press, 2015.