Ficha do Proponente
Proponente
- Carlos Eduardo da Silva Ribeiro (UFRGS)
Minicurrículo
- Doutorando em Comunicação na linha Culturas, política e significação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Sociologia na linha Estado, Sociedade e Cultura pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Bacharel em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas. Interessado nas representações das diferenças e conflitos da sociedade brasileira no cinema brasileiro. OrcID: 0000-0003-4337-382X. E-mail: .
Ficha do Trabalho
Título
- (Des)identificação e diferença em Martírio (Vincent Carelli, 2016)
Seminário
- Cinemas pós-coloniais e periféricos
Resumo
- Como identidades e diferenças são negociadas no interior de Martírio? O documentário aborda o conflito entre ruralistas e Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Analisamos uma cena na Câmara dos Deputados, em discussão acerca da PEC 215, onde indígenas chamam ruralistas de “falsos brasileiros” e os ruralistas respondem acusando-os de “falsos índios”. Propomos uma negociação entre os Estudos Pós-Coloniais e a teoria de Jacques Rancière para pensarmos as relações entre identidades e política.
Resumo expandido
- O trabalho tece reflexões acerca de processos de identificação, desidentificação diferenciação no interior do longa-metragem documentário Martírio (Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, 2016), que, por sua vez, que aborda o conflito entre ruralistas e Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Analisamos uma cena específica, construída a partir de materiais de arquivo da TV Senado, onde vê-se uma discussão na Câmara dos Deputados acerca da PEC 215, em um debate no qual estão presentes indígenas e políticos do lobby ruralista. Enquanto os indígenas chamam provocativamente os ruralistas de “falsos brasileiros”, os ruralistas respondem acusando-os de “falsos índios”. Buscamos subsídios teóricos em autores dos Estudos Pós-Coloniais como Eduardo Restrepo, Stuart Hall, Avtar Brah e Jacques Derrida, visando uma negociação ou ponto de encontro entre essas abordagens e a abordagem de Jacques Rancière sobre política e identidade. Estudamos como as identidades “indígena”e “brasileira” são construídas e repudiadas nessa cena; e como esse processo de identificação extrapola o recorte nas imagens, evocando processos políticos que se estendem desde antes do filme até depois dele.
Martírio é um documentário de duas horas e quarenta minutos de duração, cuja narrativa remonta à luta dos Guarani Kaiowá pela retomada de seus tekoha no Mato Grosso do Sul. O filme é realização do Vídeo nas Aldeias, ONG fundada na década de 1980 pelo diretor Vincent Carelli e que, através do audiovisual, visa “apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais”, conforme o próprio site. Nas palavras do co-diretor Ernesto de Carvalho em entrevista ao Sul 21, Martírio trata-se de uma arma em uma luta por representação. Vista sua intenção militante, seu conteúdo voltado para a política, pensamos que, não obstante uma possível leitura a partir do que Jacques Rancière chamaria de um regime estético, o objeto demanda, por sua intenção de produzir certo efeito no público, ser pensado também a partir de um regime ético e representacional.
Em nossa perspectiva, o efeito ético e político desejado pelos autores pode ser pensado a partir da visibilização e da escuta dos povos indígenas, pressupondo sua invisibilidade. Trata-se da busca por dar visibilidade ao seu martírio e legitimidade à sua visão de mundo. Essa visibilidade dos invisíveis, que propõe uma parte dos sem parte – para além das imagens, podemos pensar aqui nas terras originárias reivindicadas por esses deserdados da terra -, passa por uma política das imagens, ao passo em que trata-se, também, para fora do filme, da necessidade de afirmação de uma “identidade” indígena, apontada a certo rastro de ancestralidade – ou seja, justamente uma política da identificação -, que luta contra a sua dissolução, contra o assimilacionismo. A busca por uma identidade que, ao passo em que sempre se atualiza e transforma, busca fundar novamente uma coesão.
Entendemos analiticamente as identidades a partir de uma perspectiva não-essencialista – como proposto ostensivamente na perspectiva dos Estudos Pós-Coloniais -, e sempre fraturada – constituída subjetivamente, entrecortada por diferenças, móvel no tempo e no espaço, relacional à sua exterioridade, etc -, e propomo-nos a pensar a forma com que, discursivamente, na referida cena e a partir da leitura propiciada pelo filme, os sujeitos no documentário, ao fazerem política, repudiam, deslocam e atualizam identidades e diferenças; e a maneira com que esses processos discursivos podem ou pretendem poder mobilizar agenciamentos para fora do filme, extrapolando suas imagens.
Bibliografia
- BRAH, A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, nº26. Campinas. 2006.
DERRIDA, J. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Porto: Campo das Letras. 1996.
HALL, S. Quem precisa de identidade? In: SILVA, T.T. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
MENDONÇA, D. LINHARES, B. BARROS, S. O fundamento como “fundamento ausente” nas ciências sociais: Heidegger, Derrida e Laclau. In: Revista Sociologias, vol.18, nº41. Porto Alegre. 2016.
RANCIÈRE, J. O espectador emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
RESTREPO, E. Identidad: Apuntes Teoricos y metodológicos In: CASTELLANOS, G.; GRUESCO, D.; RODRÍGUEZ, M. Identidad, cultura y política: Perspectivas conceptuales, miradas empíricas. México: Universidad del Valle, 2010.
SUL21. ‘É a Palestina brasileira’: entrevista com Ernesto de Carvalho, co-diretor de ‘Martírio’. 2017. Acessível em: . Acesso em: 13 mar. 2021.