Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Carlos Eduardo da Silva Ribeiro (UFRGS)

Minicurrículo

    Doutorando em Comunicação na linha Culturas, política e significação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Sociologia na linha Estado, Sociedade e Cultura pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Bacharel em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas. Interessado nas representações das diferenças e conflitos da sociedade brasileira no cinema brasileiro. OrcID: 0000-0003-4337-382X. E-mail: .

Ficha do Trabalho

Título

    (Des)identificação e diferença em Martírio (Vincent Carelli, 2016)

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    Como identidades e diferenças são negociadas no interior de Martírio? O documentário aborda o conflito entre ruralistas e Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Analisamos uma cena na Câmara dos Deputados, em discussão acerca da PEC 215, onde indígenas chamam ruralistas de “falsos brasileiros” e os ruralistas respondem acusando-os de “falsos índios”. Propomos uma negociação entre os Estudos Pós-Coloniais e a teoria de Jacques Rancière para pensarmos as relações entre identidades e política.

Resumo expandido

    O trabalho tece reflexões acerca de processos de identificação, desidentificação diferenciação no interior do longa-metragem documentário Martírio (Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, 2016), que, por sua vez, que aborda o conflito entre ruralistas e Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Analisamos uma cena específica, construída a partir de materiais de arquivo da TV Senado, onde vê-se uma discussão na Câmara dos Deputados acerca da PEC 215, em um debate no qual estão presentes indígenas e políticos do lobby ruralista. Enquanto os indígenas chamam provocativamente os ruralistas de “falsos brasileiros”, os ruralistas respondem acusando-os de “falsos índios”. Buscamos subsídios teóricos em autores dos Estudos Pós-Coloniais como Eduardo Restrepo, Stuart Hall, Avtar Brah e Jacques Derrida, visando uma negociação ou ponto de encontro entre essas abordagens e a abordagem de Jacques Rancière sobre política e identidade. Estudamos como as identidades “indígena”e “brasileira” são construídas e repudiadas nessa cena; e como esse processo de identificação extrapola o recorte nas imagens, evocando processos políticos que se estendem desde antes do filme até depois dele.
    Martírio é um documentário de duas horas e quarenta minutos de duração, cuja narrativa remonta à luta dos Guarani Kaiowá pela retomada de seus tekoha no Mato Grosso do Sul. O filme é realização do Vídeo nas Aldeias, ONG fundada na década de 1980 pelo diretor Vincent Carelli e que, através do audiovisual, visa “apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais”, conforme o próprio site. Nas palavras do co-diretor Ernesto de Carvalho em entrevista ao Sul 21, Martírio trata-se de uma arma em uma luta por representação. Vista sua intenção militante, seu conteúdo voltado para a política, pensamos que, não obstante uma possível leitura a partir do que Jacques Rancière chamaria de um regime estético, o objeto demanda, por sua intenção de produzir certo efeito no público, ser pensado também a partir de um regime ético e representacional.
    Em nossa perspectiva, o efeito ético e político desejado pelos autores pode ser pensado a partir da visibilização e da escuta dos povos indígenas, pressupondo sua invisibilidade. Trata-se da busca por dar visibilidade ao seu martírio e legitimidade à sua visão de mundo. Essa visibilidade dos invisíveis, que propõe uma parte dos sem parte – para além das imagens, podemos pensar aqui nas terras originárias reivindicadas por esses deserdados da terra -, passa por uma política das imagens, ao passo em que trata-se, também, para fora do filme, da necessidade de afirmação de uma “identidade” indígena, apontada a certo rastro de ancestralidade – ou seja, justamente uma política da identificação -, que luta contra a sua dissolução, contra o assimilacionismo. A busca por uma identidade que, ao passo em que sempre se atualiza e transforma, busca fundar novamente uma coesão.
    Entendemos analiticamente as identidades a partir de uma perspectiva não-essencialista – como proposto ostensivamente na perspectiva dos Estudos Pós-Coloniais -, e sempre fraturada – constituída subjetivamente, entrecortada por diferenças, móvel no tempo e no espaço, relacional à sua exterioridade, etc -, e propomo-nos a pensar a forma com que, discursivamente, na referida cena e a partir da leitura propiciada pelo filme, os sujeitos no documentário, ao fazerem política, repudiam, deslocam e atualizam identidades e diferenças; e a maneira com que esses processos discursivos podem ou pretendem poder mobilizar agenciamentos para fora do filme, extrapolando suas imagens.

Bibliografia

    BRAH, A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, nº26. Campinas. 2006.
    DERRIDA, J. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem. Porto: Campo das Letras. 1996.
    HALL, S. Quem precisa de identidade? In: SILVA, T.T. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
    MENDONÇA, D. LINHARES, B. BARROS, S. O fundamento como “fundamento ausente” nas ciências sociais: Heidegger, Derrida e Laclau. In: Revista Sociologias, vol.18, nº41. Porto Alegre. 2016.
    RANCIÈRE, J. O espectador emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
    RESTREPO, E. Identidad: Apuntes Teoricos y metodológicos In: CASTELLANOS, G.; GRUESCO, D.; RODRÍGUEZ, M. Identidad, cultura y política: Perspectivas conceptuales, miradas empíricas. México: Universidad del Valle, 2010.
    SUL21. ‘É a Palestina brasileira’: entrevista com Ernesto de Carvalho, co-diretor de ‘Martírio’. 2017. Acessível em: . Acesso em: 13 mar. 2021.