Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernanda Bastos Braga Marques (UFRJ)

Minicurrículo

    Fernanda Bastos é mestre e doutoranda pelo PPGCOM em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ, onde atualmente desenvolve a tese BRÍGIDA BALTAR – ANÁLISE DA VIDEOGRAFIA COMPLETA, em que analisa pela perspectiva teórica a experiência prática como editora audiovisual na recuperação, organização e em edições inéditas dos vídeos da artista em 2018 – 2019.

Ficha do Trabalho

Título

    A montagem guiada pelo acaso: dois vídeos de Brígida Baltar

Seminário

    Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Resumo

    O presente artigo propõe a análise de A geometria das rosas e O refúgio de Giorgio, de Brígida Baltar, obras de videoarte que se constroem no processo de montagem/edição audiovisual a partir de defeitos gerados na imagem pela deterioração do suporte material – drop outs. Os vídeos são exemplos da grande liberdade estética que esse gênero artístico oferece à montagem/edição, para experimentação visual, narrativa, rítmica e sensorial. Nos dois casos, a forma abre-se ao acaso e molda-se ao erro.

Resumo expandido

    Durante o trabalho de recuperação, montagem e organização da videografia da artista Brígida Baltar, nos deparamos com dois casos em que o suporte do material gravado e arquivado se deteriorou ao longo dos anos, afetando drasticamente a imagem. Apesar disso, as duas videoartes foram realizadas: A geometria das rosas (2002/2019) e O refúgio de Giorgio (2002/2019). Sua forma se molda ao defeito, ao erro, se abre ao acaso.
    Primeiro assistimos as gravações feitas com mini-DV no bosque onde Giorgio Ronna(1) gostava de passear, nas proximidades de sua casa em Zurique. As câmeras DV e mini-DV ofereciam a possibilidade de manipulação da velocidade do obturador(2), como nas câmeras de cinema, e a redução dessa velocidade resulta na repetição de quadros, compensando a diferença entre as velocidades de captação e de reprodução. Com isso, os movimentos são registrados como rastros descontínuos, interrompidos pela falta das imagens intermediárias.
    A utilização do recurso produz imagens abstratas que, às vezes, remetem à visualidade da pintura impressionista e foram bastante exploradas pela videoarte no início dos anos 2000. Por isso mesmo, nesse vídeo, editado em 2019, eliminamos todos os trechos em que a imagem perde o caráter figurativo. Mas foi graças a essa imagem baseada em elipses temporais, que pudemos editar o filme cuja fita original apresentava muitos drop outs(3). Todos os defeitos foram suprimidos sem alterar a dinâmica da imagem, com o corte executado na quebra do movimento desaparece na descontinuidade da gravação.
    Já o caso de A geometria das rosas era mais grave, pois a gravação flui em velocidade normal. A câmera passeia em movimentos livres bem perto das flores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas os defeitos eram tantos que começamos a passar a imagem quadro a quadro em busca de um trecho aproveitável. Foi então que pudemos admirar a beleza das flores “pixeladas” de variadas formas geradas ao acaso, e decidimos fazer o filme destacando a poesia da deterioração e do acaso.
    Os drop outs da DV aparecem na imagem com quadradinhos coloridos, que criam recortes e bordas nos elementos da imagem. Como esses elementos são justamente flores coloridas sob uma luz solar bem tropical, o defeito acrescenta cor ao quadro, tornando-o mais vivo.
    Para chegar ao resultado desejado, selecionamos apenas as rosas dentre todas as flores registradas, eliminamos também todas as imagens de cimento ou canteiro, e reduzimos a velocidade dos quadros com defeito para que eles ficassem visíveis por mais tempo. Chegamos a tirar todas as imagens “boas” que se intercalam às protagonistas quadriculadas, mas voltamos atrás porque elas funcionam como fluxo de ligação, como distância necessária para a observação do que é mais importante.
    O título refere-se ao aspecto dos defeitos que quebram as linhas orgânicas das flores. Além disso, algumas rosas já estão um pouco despetaladas, deterioradas como o suporte. O vídeo preserva a beleza das rosas e o trabalho preserva a visualidade dos defeitos típicos da fita de vídeo digital, mais especificamente da mini-dv, que desaparece junto com o suporte atualmente obsoleto. Uma imagem que não acontece mais, porque cada suporte tem seus defeitos característicos, e pouco vista, por ser normalmente eliminada na seleção do material. Assim, a obra nos apresenta o fim de dois ciclos das rosas encerrando a primavera e de uma possibilidade visual daquela tecnologia.
    Raras são as oportunidades de montar um vídeo só com imagens “estragadas”, a poética de Baltar sempre aberta ao acaso nos proporciona o exercício do deslumbramento. Com isso reafirmamos a liberdade estética que a videoarte oferece à edição para experimentação visual, narrativa, rítmica e sensorial.

    1 -Giorgio Ronna é amigo da artista, parceiro em outros vídeos, interlocutor constante, e escreveu o catálogo da exposição Brígida Baltar: filmes, realizada em 2019.
    2 – Mecanismo que regula a entrada de luz.
    3 – Defeitos na leitura eletrônica da imagem.

Bibliografia

    AUGUSTO, Maria de Fátima. A montagem cinematográfica e a lógica das imagens, São Paulo: Annablume, Belo Horizonte: FUMEC, 2004.

    AUMONT, Jacques. Montage (Le): la seule invention du cinema, Paris: Vrin, 2015.

    BALTAR, Brígida. Brígida Baltar: filmes. Rio de Janeiro: 2019. Catálogo. Disponível em: https://issuu.com/fase_10/docs/catalogo_brigidabaltar_filmes/12?ff . Acesso em: 14/02/2021

    DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard, São Paulo: Cosac Naify, 2004.

    FAUCON, Térésa. Théorie du Montage: Énergie, Forces et Fluides. Paris: Armand Colin, 2013.

    GONÇALVES, Osmar (org.). Narrativas sensoriais. Rio de Janeiro: Circuito, 2014.

    MACIEL, Katia e REZENDE, Renato. Poesia e videoarte, Rio de Janeiro: Circuito, 2012.

    MACIEL, Katia. Transcinemas. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009.

    MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: SENAC, São Paulo, 2008.

    PEARLMAN, Karen. A edição como coreografia, In: CALDAS, Paulo et al.. Dança em foco: ensaios contemporâneos de videodança. Rio de Janeiro