Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    TAIS A S NARDI (USP)

Minicurrículo

    Taís Nardi tem graduação e mestrado em Audiovisual pela Escola de Comunicação e Artes da USP e é doutoranda no Programa de Meios e Processos audiovisuais da mesma universidade. É diretora de fotografia desde 2002 e dirige a Cigano Filmes desde 2007. É professora e coordenadora de cursos na área de cinematografia no Ateliê Bucareste de Cinema desde 2017. Pesquisa narrativa visual e imagem cinematográfica. Integrante do Grupo de Pesquisas Cinematografia Expressão e pensamento.

Ficha do Trabalho

Título

    São Paulo dos diretores de fotografia: do neon às luzes dos faróis.

Seminário

    Estética e plasticidade da direção de fotografia

Resumo

    A apresentação discute como a direção de fotografia contribui na construção dos sentidos atribuídos à cidade de São Paulo nos filmes Anjos da Noite (Wilson Barros, 1987) e Terra Estrangeira (Daniela Thomas e Walter Salles, 1995). Ao passo que o primeiro exalta as luzes da noite paulistana e é marcado pela exuberância de cores primárias, o segundo é um retrato em preto e branco da plasticidade e do movimento da cidade; opções imagéticas que revelam diferentes visões sobre a metrópole brasileira.

Resumo expandido

    Esta apresentação discute como a direção de fotografia contribui na construção dos sentidos atribuídos à cidade de São Paulo nos filmes Anjos da Noite (Wilson Barros, 1987) e Terra Estrangeira (Daniela Thomas e Walter Salles, 1995). Separadas por menos de 10 anos, as imagens dessas obras geram efeitos diferenciados do espaço sobre as histórias, ao mesmo tempo em que deixam transparecer uma visão mais geral de seus narradores sobre a sociedade brasileira representada pela metrópole.
    Anjos da Noite, com direção de fotografia de José Roberto Eliezer, é um painel da noite paulistana nos anos 1980, por onde perambulam toda sorte de figuras. Dois assassinatos parecem unir os doze personagens que o filme acompanha. O longa ganhou os prêmios de melhor direção e melhor de direção de fotografia (entre outros) nos festivais de Brasília e Gramado no ano de seu lançamento e fez parte da polêmica da “ditadura da fotografia” que cercou o cinema paulista da década, criticado pelo exagero da direção de fotografia de seus filmes.
    Nele, São Paulo é vista de maneira otimista, sensação que espelha o novo fôlego da produção cinematográfica paulista na época. O retrato da cidade é a junção dos retratos dos seus cidadãos. Mesmo assumindo uma postura crítica em relação a vários personagens, o filme é marcado por um carinho do realizador por seus “anjos” da noite, parceiros dentro da sua cidade. O espaço da cidade em si mal aparece na imagem. Muitas cenas são filmadas em estúdio ou internas. As externas são construídas com planos fechados. O que se vê mesmo de São Paulo são suas luzes, especialmente o neon. Azul e vermelho são as cores da noite brilhante da cidade. E aparecem também nos figurinos e cenários formando uma unidade cromática entre cenas internas e externas.
    Terra Estrangeira, com direção de fotografia Walter Carvalho, conta com imagens em preto e branco a história de Paco, jovem que aceita fazer a entrega de um pacote misterioso em Portugal após perder a mãe e ver as economias dela confiscadas por Collor em 1990. Lá ele se envolve num esquema de contrabando que o leva até Alex, uma brasileira que trabalha como garçonete em Lisboa.
    A São Paulo de Paco é colocada desde o início em comparação com a Lisboa de Alex por meio da montagem paralela entre essas duas linhas de desenvolvimento da história. É tema central do filme a sensação de desterro que caracteriza Alex e aos poucos vai impregnando Paco. Ele, que é apresentado sempre associado à paisagem da cidade, vai aos poucos perdendo o chão, até que ambos os personagens já não pertencem a lugar nenhum.
    E se São Paulo é a terra natal de Paco, ela não é a terra natal de nenhum dos realizadores do filme. Daniela Thomas e Walter Salles são cariocas, Walter Carvalho é paraibano radicado no Rio. E, mesmo que os realizadores procurem mergulhar nas sensações dos personagens e contem a história do ponto de vista de Paco, a cidade é vista sem intimidade. Apesar dos enquadramentos e escolhas de iluminação e exposição inserirem continuamente o rapaz na cidade, as opções de composição mostram a cidade de um ponto de vista externo, marcado por uma curiosidade e não naturalidade. O minhocão, grande personagem urbano do filme, emerge como uma força gráfica e não como mais uma característica da cidade, cotidiana para seus habitantes. A São Paulo do filme é mesmo uma terra estrangeira: estranha a quem a olha e alheia aos sentimentos de seus próprios habitantes. A mãe de Paco morre. Para ele tudo congela, mas os carros na cidade continuam passando e jogando a luz de seus faróis dentro da casa.
    Em Terra Estrangeira, São Paulo é marcada pelo movimento incessante dos carros e pela plasticidade de suas formas, mas é espaço de desânimo. A união entre o personagem e a paisagem gráfica é utilizada como símbolo. Já em Anjos da Noite, é a narrativa que se movimenta de um personagem a outro, gerando agitação e animação. A cidade é apenas cenário pra dança de seus tipos simbólicos.

Bibliografia

    BARBOSA, Andréa. São Paulo: cidade azul – ensaios sobre as imagens da cidade no cinema paulista dos anos 1980. São Paulo: Alameda, 2012.
    BOTELHO JUNIOR, Francisco. Técnica e estética na imagem do novo cinema de São Paulo. Tese de doutorado – Universidade de São Paulo. São Paulo, 1991.
    CARVALHO. Walter. Terra Estrangeira. Rio de Janeiro: Relume Dumará: 1997.
    Freire, Janaína. Identidade E Exílio Em Terra Estrangeira. Dissertação de mestrado – Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2004.
    NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São Paulo: Editora 34, 2002.
    ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de novo. Um balanço crítico da retomada. São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 2003.
    PUCCI JÚNIOR, Renato Luiz. Cinema brasileiro pós-moderno: o neon-realismo. Porto Alegre: Sulina, 2008.