Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Ketlyn Mara Rosa (TCD)

Minicurrículo

    Dra Ketlyn Mara Rosa é Pesquisadora de Pós-Doutorado no Departamento de Estudos de Cinema da Trinity College Dublin, Irlanda, realizando uma pesquisa financiada pelo Irish Research Council (IRC). Seu Mestrado (2015) e Doutorado (2019) foram obtidos na Universidade Federal de Santa Catarina e sua área de pesquisa é cinema de guerra. Atualmente seu foco de análise está em conflitos urbanos na Irlanda do Norte e Brasil no final do século vinte, com ênfase em representações de violência corporal.

Ficha do Trabalho

Título

    Violência, o Corpo e os Sentidos no filme “A Divisão”

Resumo

    O filme brasileiro “A Divisão” (Vicente Amorim, 2020) representa imagens de violência corporal em um ambiente de conflitos urbanos na geografia das favelas do Rio de Janeiro. Eu proponho analisar os retratos do corpo violado em busca de um entendimento maior sobre as construções de identidade nacional brasileira e temas de subordinação e abuso de poder. O uso de métodos de tortura na narrativa traz à tona um enfoque sensorial e complexo da relação entre a polícia e os moradores da favela.

Resumo expandido

    Minha proposta é analisar cenas específicas de violência ao corpo no filme brasileiro “A Divisão” (Vicente Amorim, 2020) que trabalha com o estado de guerrilha urbana entre a polícia e o crime organizado na geografia das favelas do Rio de Janeiro. A complexidade do filme gira em torno de temas como abuso de poder, corrupção interna e tortura, situando o conflito criminal contemporâneo em uma zona de guerra cinza onde não há uma distinção clara de lados. O corpo violado apresenta-se como um local de discussão sobre questões relacionadas a identidade nacional e estereótipos conectados a representações de favelas e crime.
    Com o objetivo de olhar para representações do corpo em risco imerso em um ambiente de violência, estarei fazendo uso das discussões da “cosmética da fome” de Ivana Bentes que se baseiam na posição crítica das representações audiovisuais e a tendência de glamorização dos atos violentos. Apresentar imagens que focam no corpo violado de forma decorativa e embelezada através do uso de ferramentas cinemáticas pode comprometer discursos de renovação da visão do ambiente das favelas e focar na insistência do uso de estereótipos tradicionalmente associados a pobreza e sofrimento brasileiro. Proponho analisar momentos específicos do filme “A Divisão” com a finalidade de perceber até que ponto a narrativa representa a violação corporal de forma romantizada ou estabelece novos jeitos de olhar as interações entre os sujeitos na geografia das favelas.
    O uso de tortura e o enfoque no retrato físico das consequências da violência no corpo dos personagens evoca a análise dos sentidos no filme. A experiência sensorial representada nas cenas através da focalização nas habilidades da visão, audição, tato e olfato faz com que a imersão no universo da brutalidade seja acentuada. O geógrafo Derek Gregory traz o conceito de “corpografia” que também estarei utilizando para analisar as interações dos personagens com os ambientes de hostilidade que os circundam. Por “corpografia” Gregory define a compreensão do ambiente de guerra através dos sentidos que faz com que o corpo se transforme em um instrumento de adaptação quando deparado com atos de violência. O corpo torna-se então uma ferramenta de envolvimento somático com o terreno em questão, agindo de forma espontânea ou deliberada.
    A construção da identidade nacional no filme “A Divisão” conecta-se fortemente a questões de desigualdade social e econômica, criminalidade e corrupção. Tanto as representações da força policial quanto dos habitantes das favelas são questionadas em relação as suas moralidades e naturezas. A construção dos espaços cidade/favela pintam o quadro de um Rio de Janeiro dividido pelas forças políticas e o ensejo de poder, assinalando determinados ambientes como sites de exclusão. Os espaços de segregação, em geral nas favelas, são parte de um cenário mais abrangente do contexto sócio econômico do país. Os agentes da violência não pertencem apenas a um dos lados, polícia ou traficantes, estando presentes e ativos na proliferação do crime.
    O filme “A Divisão” demonstra o estado de guerra contemporânea em que os espaços urbanos são penetrados pela violência e a fábrica social da cidade passa por constantes situações de violação do seu cotidiano. Ao olharmos para tais representações do corpo em risco, é possível criar uma discussão em torno das características da identidade nacional brasileira no cinema ao tratar-se de temas como pobreza e criminalidade, percebendo a persistência dos estereótipos ou desdobramentos de novas visões de Brasilidade.

Bibliografia

    BENTES, Ivana. “The Sertão and the Favela in Contemporary Brazilian Film.” The New Brazilian Cinema, editado por Lúcia Nagib, I. B. Tauris, p. 121-137, 2003.

    GREGORY, Derek. “Corpographies: Making Sense of Modern War.” The Funambulist, geographicalimaginations.files.wordpress.com/2012/07/gregory- corpographies.pdf. Acessado em 25 Janeiro 2021, p. 30-39.

    JOHNSON, Randal; STAM, Robert. Brazilian Cinema. Columbia University Press, 1995.

    MARTIN, Michael T.. New Latin American Cinema, Volume 1: Theories, Practices, and Transcontinental Articulations. Wayne State University Press, 1997.

    NAGIB, Lúcia. Brazil on Screen: Cinema Novo, New Cinema, Utopia. I. B. Tauris, 2007.

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    VIEIRA, Else E. P. (ed). City of God in Several Voices. Critical, Cultural and Communications Press, 2005.