Ficha do Proponente
Proponente
- Benedito Ferreira dos Santos Neto (UERJ)
Minicurrículo
- Benedito Ferreira é artista visual e doutorando em Artes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com apoio da CAPES. Mestre em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e bacharel em Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). É pesquisador vinculado ao Núcleo de Investigação em Direção de Arte Audiovisual (CAA/UFPE/CNPq).
Ficha do Trabalho
Título
- O Gigante da América e a direção de arte das contravisualidades
Seminário
- Estética e teoria da direção de arte audiovisual
Resumo
- Em O Gigante da América (1978), a direção de arte propõe uma série de contravisualidades que dinamizam os elementos em cena, quer sejam os figurinos coloridos ou os cenários pintados à mão pela dupla de diretores de arte. A adesão a tais práticas contribui de modo substancial para a efetivação de um autoquestionamento, bem como convoca um espectador que envereda entre empobrecer ou enriquecer as imagens, conferindo a elas uma desconfiança partilhada ou uma sinceridade latente.
Resumo expandido
- No filme O Gigante da América (Julio Bressane, 1978), Óscar Ramos e Luciano Figueiredo assinam como “cenografia & art diretor”. Na sequência, são atribuídos a Pedro Louzada o crédito de “props”; ao artista Hélio Oiticica, a “tenda da Odalisca”; e a Gilberto Marques, a “maquilagem”. O requerimento do termo em língua inglesa é resultado da vivência dos diretores de arte em Londres entre os anos de 1972 a 1978, visto que não era amplamente difundido sequer o crédito de diretor de arte em produções cinematográficas brasileiras na década de 1970 (SANTOS NETO, 2019).
Acompanhado de outras figuras errantes, como poetas e marinheiros, o emblemático protagonista lança-se a uma empreitada que contempla o inferno, o purgatório e o paraíso. Ao tomar partido de elementos banais, improvisados e, evidentemente, ressignificados, a direção de arte desafia a estrutura convencional de composição sobretudo cenográfica e traça um plano que abastece a imagem do filme de uma sinceridade artificial munida de contravisualidades (MIRZOEFF, 2011). Essa estratégia é possibilitada pelo trabalho movido a tensões e ajustes que recusa os ditames clássicos como forma de autorizar uma experiência.
Numa relação dinâmica que alterna entre o concreto e o simbólico, os diretores de arte costuram sua função de modo expandido cujo objetivo central é a formulação de uma imagem paródica. A adesão a tais práticas e repertórios contribui de modo substancial para a efetivação da encenação de Bressane, como pode ser verificado na movimentação dos personagens na arquitetura revestida por pedras que parecem de papel ou mesmo na ubiquidade da câmera que estimula a diversidade espacial das cenas (GAUDREAULT; JOST, 2009). Além de provocar uma instabilidade gerada a partir do uso de materiais e técnicas não coincidentes, essas articulações reorganizam o jogo com o espectador, ofertando-lhe munições capazes de empobrecer ou enriquecer as imagens.
Em outra passagem, o penetrável Tenda Luz, objeto piramidal de caráter instalativo realizado por Oiticica, compõe uma paisagem de sonho sitiado em areia clara. Quando incinerada, a obra experimenta o perigo, afinal trata-se de um organismo vivo, “uma tenda de luz, espaço de prazer, lugar cada vez mais e mais raro, um recanto de fuga para o entusiasmo do amor num carnaval no deserto” (BRESSANE, 2018). Merece destaque ainda a adesão a formas não animadas que interagem em cena e a predileção a figurinos multicoloridos e acetinados que se destacam em meio à natureza. Tamanha selvageria compõe uma imagem-colagem que, quando ameaça recuperar sua consciência, opta por desautorizar-se mais uma vez.
Enquanto a encenação desmantela os valores de representação, a direção de arte amplia sua plataforma de atuação para reverberar justamente na identificação das lacunas que a cercam e que não podem ser expressas pela fala, pelo gesto ou pela música. Entre os mundos de distintas materialidades, articulados por personagens alegóricos feitos de isopor e papel-machê ou mesmo pelos cenários em estúdio pintados a mão, a direção de arte apresenta uma vulnerabilidade eminente, cuja potência atinge um caráter interdisciplinar, característica recorrente em um conjunto satisfatório de produções brasileiras mapeadas no final da década de 1970 em nossa pesquisa.
Bibliografia
- BRESSANE, Julio. AB-Cena. Copenhague/Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.
GAUDREAULT, André; JOST, François. A narrativa cinematográfica. Brasília: Editora da UnB, 2009.
MIRZOEFF, Nicholas. The right to look: A Counterhistory of Visuality. Durham & London: Duke University Press, 2011.
SANTOS NETO, Benedito Ferreira dos. Três reflexões sobre a direção de arte no cinema brasileiro. 2019. 138 f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Visual) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.