Ficha do Proponente
Proponente
- Dirceu Martins Alves (UESC)
Minicurrículo
- Dirceu Martins Alves possui doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, é professor Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, lotado no Departamento de Letras e Artes, onde leciona e desenvolve pesquisa sobre imagem, som e escritura, no curso de Comunicação Social – Rádio e TV.
Ficha do Trabalho
Título
- Materialidade mutante do cinema de película para o digital
Resumo
- As recentes mudanças dos projetores de películas pelos digitais nos cinemas de rua da Bahia, trouxeram impactos na experiência do projecionista e na fruição do receptor. Os filmes antes vinham em sete ou dez latas. Eram montados nos carretéis pelos projecionistas, que também montavam a ordem dos trailers. Hoje, os filmes digitais vêm em HDs, ou são rodados direto de plataformas digitais, exigindo telas mais planas. Discutiremos a morte física da imagem, películas descartadas pelos cinemas.
Resumo expandido
- O trabalho é resultado parcial de uma pesquisa com projecionista de cinema de rua no Estado da Bahia, onde os projetores de películas vem sendo substituídos por digitais. Cidades como Feira de Santana e Ilhéus, por exemplo, que ainda têm cinema de rua, aproveitaram o incentivo do Governo e trocaram seus projetores nos últimos dois ou três anos. A mudança trouxe impactos para os projecionistas. Homens treinados na montagem de películas, na estocagem, e até na restauração simples, passaram por treinamentos em informática, a fim de operar os computadores, que agora movimentam os projetores digitais, a partir de filmes que chegam em HDs externos, ou plataformas digitais para empresários de cinema, nas quais os donos de cinema podem até mesmo iniciar as sessões a partir de suas residências. Muitos projecionistas foram dispensados por não se adaptarem à informática. Com os novos projetores as telas das salas foram todas substituídas. A imagem digital exige telas mais planas, para melhor fruição. Os receptores também vivem novas experiências diante do ecram. “Tudo agora é digital”, diz o slogan, que deixa o receptor orgulhoso de entrar no mundo da tecnologia digital e de ponta. Imagem, som e fúria, diria McLuhan (2005). Antes os filmes vinham em conjuntos de sete ou dez latas, e o projecionista tinha que montar, colando as partes. A ordem dos trailers também era decidida pelo projecionista. Tudo agora está pronto, deve apenas ser plugado, rodado. Os velhos projetores e seus carretéis foram doados para escolas e instituições, que não sabem o que fazer com eles. Custa caro mantê-los em funcionamento, pois exige mão de obra especializada, além de gastos com peças. Estão obsoletos. Nos cinemas, verificamos uma mudança de comportamento. Uma vez substituídos os projetores, nunca mais poderão exibir filmes em película. As cópias estão todas obsoletas. Algo que os cinemas precisam descartar, assim como descartou os velhos projetores. Rolos de filmes estão destinados a apodrecerem dentro de latas, empilhadas em prateleiras escuras, em sótãos ou porões. Ademais das experiências sensíveis, que experimentamos ao abandonar as imagens em películas, há uma revolução científica na nossa porta. Não temos total consciência dessa revolução cientifica, e o quanto ela nos afeta realmente, como ocorre com todas as revoluções cientificas, Kun (1998). O suporte do filme digital, armazenado em HD diminui drasticamente a experiência tátil do projecionista que lidava com a película, cortava, emendava, remendava. Ademais de montar as latas de trailers e comerciais que recebia para passar no cinema. Quase tudo vem pronto agora no digital. A função do projecionista era algo parecido com um segundo montador do filme. No sentido que Mursh dá para a palavra montador (2004). Em uma das cidades, na qual entrevistamos projecionistas, colhemos a seguinte anedota: um projecionista sem muita experiência montou uma das sequências na ordem errada. Em determinadas cenas do filme os espectadores viram os trabalhadores matando um coronel. Na outra sequência viram o coronel, vivo, planejando a morte dos trabalhadores. Alguns dos presentes se irritaram e abandonaram a sala de exibição. Outros acharam graça no personagem que acabara de morrer, reaparecer tramando a morte de seus adversários. Naquela noite os assistentes viram um filme surrealista, por conta do projecionista. Quantos fatos parecidos podem ter ocorrido na história dos filmes. Corresponderiam às proporções de imagem e tempo, os fragmentos, no sentido de representação temporal que nos dá Jakobson (2004), as velhas cópias que chegaram até nós? A lógica das imagens não se altera muito na passagem da película para o digital, Wenders (1999). Um dos receptores argumentou que prefere filmes em películas quando se trata de terror, onde não cabe a total definição da imagem. A filigrana película vs. digital incita-nos à discussão sobre a materialidade das imagens, Alves (2015). Para além do suporte, uma ontologia da imagem.
Bibliografia
- ALVES. D. M. A lógica das imagens na cenografia barroca dos jornais paulistas O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. Algazarra (São Paulo, Online), Edição Especial – Parte 2: Do jornal à cidade, p. 118-145, jun. 2015.
JAKOBSON, Roma. Linguística, poética, cinema. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
KUN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5ª. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.
MCLUHAN, M. Visão, som e fúria. In: Luiz Costa Lima (Org.). Teoria da Cultura de Massa. 7º Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
MURCH, Walter. Num piscar de olhos: a edição de filmes sob a ótica de um mestre; trad. Juliana Lins. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
WENDERS, Wim. A lógica das imagens; trad. Maria Alexandra A. Lopes. Rio de Janeiro: Edições 70, 1999.