Ficha do Proponente
Proponente
- Bruno F. Duarte (UFRJ)
Minicurrículo
- Bruno F. Duarte é mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da ECO-UFRJ. Formou-se em comunicação social, com habilitação em cinema, pela PUC-Rio, em 2011. Pesquisa gênero, sexualidade e questões raciais no cinema a partir da obra do diretor Marlon Riggs (1957-1994). Colaborou com experiências de comunicação e mobilização como KBELA (Yasmin Thayná, 2015), AFROFLIX, Cia. Emú de Teatro Negro, Centro Afrocarioca de Cinema Zózimo Bulbul, Flup e Anistia Internacional Brasil.
Ficha do Trabalho
Título
- 30 anos de Línguas Desatadas: autobiografias de bixas pretas no cinema
Seminário
- Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações
Resumo
- A partir da análise do documentário autobiográfico Línguas Desatadas (Marlon Riggs, 1989) este ensaio procura refletir sobre o impacto da autoexpressão de corpos e subjetividades de bixas pretas na construção de imagens nos últimos 30 anos, traçando um paralelo em primeiro plano com o longa Moonlight (Barry Jenkins, 2016) e outras obras dos EUA e do Brasil.
Resumo expandido
- Em 2019, completam-se trinta anos da estreia do filme Línguas Desatadas (1989), o trabalho de maior repercussão de diretor negro norte-americano Marlon Riggs (1957-1994), negro, gay e soropositivo. A obra tensiona a estética do documentário através da justaposição de poesia, música, performance, imagens de arquivo e relatos autobiográficos para construção de um ensaio sobre a subjetividade de bixas pretas nos Estados Unidos dos anos 1980 e foi premiada em 1990 com o Prêmio Teddy no Festival de Berlim como melhor documentário sobre questões da população LGBTIQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros, intersexuais e queer). Três décadas depois, o filme ainda pode ser analisado por sua potência de auto-expressão e libertação, em paralelo com o desenvolvimento da linguagem documental no cinema. Também podemos investigar uma brecha aberta para um devir bixa preta no audiovisual que, nos EUA, possibilita a premiação de Moonlight, de Barry Jenkins, como o primeiro longa-metragem LGBTIQ+ e também o primeiro filme com elenco composto exclusivamente por pessoas negras a receber o Oscar de melhor filme em uma nítida tensão entre filmes independentes e a indústria cinematográfica norte-americana.
Pouco difundida no Brasil, a obra de Riggs discute de forma interseccional e afirmativa opressões e discriminações que a população negra e a comunidade LGBTIQ+ vivem, convidando o espectador a transformar silêncio em linguagem e ação, além de suscitar uma série de questões do contexto brasileiro atual. Retomar indagações do fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 pode ser um importante ponto de partida para contribuir com as discussões em torno do ensaio fílmico e da própria estética do documentário sob a perspectiva do cinema negro.
A obra de Riggs está inserida no campo de produção de um conjunto de filmes que responderam ao contexto de invisibilização das questões LGBTIQ+ nos EUA, em sintonia com a construção de iniciativas coletivas de enfrentamento como Act Up e Queer Nation, ações que convergem arte, política, protestos performativos, e o desenvolvimento dos estudos queer na academia. Ainda assim, a produção de Riggs fica à margem do que acessamos do New Queer Cinema hoje, se comparado à dimensão da difusão de Paris is burning (1990), de Jennie Livingston, por exemplo. Em 1992, no artigo ‘Is Paris burning? (1992), bell hooks traça um paralelo entre os pontos de vista construídos nos dois filmes.
Duas décadas antes, a cineasta branca Shirley Clarke já havia lançado seu olhar sobre um homem negro gay no documentário experimental O Retrato de Jason (1966). O dispositivo do filme é uma entrevista de doze horas em um quarto de hotel com Jason Holliday, ator, performer e garoto de programa que se permite entrar no jogo de encenar e ser visto pelas lentes de Clarke.
Com sua obra, Riggs buscou explorar modos de vida de homens negros gays e seus processos de subjetivação através da experimentação na linguagem documental. Podemos investigar, a partir do caminho aberto por Línguas Desatadas, um devir bixa preta que se expressa nos últimos 30 anos em ou desde narrativas autobiográficas mais próximas do campo documental ou até mesmo da ficção, como o aclamado Moonlight (Barry Jenkins, 2016), que tem roteiro adaptado de uma peça autobiográfica nunca encenada escrita pelo dramaturgo negro e gay Tarell Alvin McCraney. Gestos de produções cinematográficas a partir de autobiografias de LGBTIQ+ negros também são encontradas no Brasil, produzidas por realizadores negros ou não como nos longas Madame Satã (Karim Aïnouz, 2002) e Esse amor que nos consome (Allan Ribeiro, 2012) e nos curtas Pele suja minha carne (2016) e BR3 (2018), ambos do jovem cineasta negro Bruno Ribeiro. Além de se debruçar sobre um modo de vida, Riggs filma enquanto um sujeito que é atravessado por essas marcas e abre caminhos estéticos para um modo de fazer filmes que dê conta dessa experiência. É o que nos interessa aqui.
Bibliografia
- COMBS, Rhea L. Exceeding the Frame: Documentary Filmmaker Marlon T. Riggs as Cultural Agitator. Atlanta: Emory University, 2009.
HOOKS, bell. Is Paris burning? In Black Looks, race and representation. South End Press: Boston, 1992.
SHOHAT, Ella e STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
RICH, B. Ruby. New Queer Cinema: the director’s cut. Durham and London: Duke University Press, 2013.
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos V – Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
GUEDES, Cintia. Entre o corpo-espetáculo e o corpo-memória: questões sobre raça e sexualidade nos filme Paris is Burning e Línguas Desatadas. In Catálogo Mostra Corpo e Cinema. Rio de Janeiro, 2016.
GUSTAFSON, Irene. Putting things to the test: Reconsidering Portrait of Jason. In Camera Obscura, 77, vol. 26, nº 2. Duke University Press: Duhram – NC, 2011.