Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Alan Gomes Freitas (UFF)

Minicurrículo

    Mestrando do PPGCINE – Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (UFF). Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela UFAM. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo Digital e Assessoria de Comunicação, atua também no campo do audiovisual onde realiza obras em diversos formatos e linguagens e ministra cursos livres. Atualmente dirige o Centro Popular do Audiovisual na cidade de Manaus.

Ficha do Trabalho

Título

    Fome, peste, guerra e morte: o cinema em Manaus durante a I Guerra

Resumo

    A cidade de Manaus, no início do século XX, vivia o fim da opulência proporcionada pelo ciclo econômico da borracha. Em um período de cerca de 40 anos, passou da aceleração propiciada por símbolos da modernidade europeia – indústria automobilística, abertura dos portos ao comércio estrangeiro, intensa urbanização – para uma grave estagnação econômica. O cinema se estabelece como principal entretenimento da metrópole e a eclosão da Primeira Guerra Mundial reflete-se no consumo de cinema da cidade

Resumo expandido

    Manaus inicia o século XX com luz elétrica instalada, intensa circulação de barcos a vapor e uma mudança radical em sua visualidade com melhoramentos urbanos e características cosmopolitas, tendo sua população ampliada e a introdução de elementos e costumes de origens diversificadas. Em pouco mais de dez anos, essa pujança econômica dá lugar ao terror de uma crise com ares apocalípticos. Milhares de trabalhadores abandonam seus postos de trabalho nos rincões do estado, e avançam para a capital, com suas fomes, suas doenças e caindo mortos sucumbindo ao cenário de misério.

    É essa capital, que recém vivenciou um mergulho na modernidade europeia, passando da condição de simples vila para uma efervescente metrópole, “modernidade” aqui referida não como um período histórico demarcado, mas como mudança nas experiências subjetivas das pessoas, uma “aceleração” das sensações (CHARNEY & SCHWARTZ, 2006). Há nesse indicações de um esforço da elite local em se definir através do seu consumo, tanto na aquisição de bens supérfluos, quando na frequência de espaços de lazer, como nas salas cinema, que se consolidam no fim da primeira década do século XX. Se em um primeiro momento o cinema – ainda ocupando espaços de exibição junto de outras atrações – foi recebido de maneira fria, quase indiferente, talvez pela grande variedade de opções de entretenimento no período, é com a decadência de ofertas – no início dos anos de 1910, que o cinema vai ser reivindicado como espaço de sofisticação na capital (COSTA, 1996).
    A intensidade da trajetória dessa cidade no período compreendido como belle époque (MESQUITA, 2016) – a população de cerca de 29.000 habitantes em 1872 passou para 61.000 em 1900 -, desperta curiosidade e é objeto de estudos que privilegiam a dimensão econômica, mas é carente de registros na historiografia clássica dos aspectos culturais referentes à essa dinâmica social. Chama atenção no período da I Guerra Mundial (de 1914 a 1918), determinadas mobilizações na imprensa local. Em 1916, o Cinema Polytheama, ao exibir o drama de guerra O patriota francês ou O sacrifício pela pátria, advertia seus frequentadores:

    “Este filme tem cenas horrorosas de crueldade do inimigo invasor, cenas irritantes e espantosas. Assim sendo, não desejando agitações em seus salões, a empresa pede encarecidamente que os partidários das diversas nações em guerra não compareçam ao espetáculo, desde que não tenham a calma precisa para assistir ao desenrolar deste lindo trabalho”
    Jornal O tempo, 10.02.1916, p.2

    O alerta é curioso por buscar algum tipo de disciplinação do comportamento de frequentadores de cinema, mas não é completamente destoante com outros tipos de alertas ou julgamentos proferidos nas páginas dos periódicos da capital amazonense, que comentavam vestimentas, hábitos, e até a classe de frequentadores de salas.

    Charney & Schwartz (2006) apontam como o exercício do consumismo foi um dos motores da modernidade, propiciado por um ambiente urbano em que corpos e mercadorias circulam cada vez mais e de forma mais intensa. No entanto, essa mesma modernidade parece carecer de signos e significados, visto que reconfigura a arena de desejos. É então que o consumo assume dimensões outras que não a da fruição privada. É nessa arena que se insere o impulso expresso nestas páginas de buscar diferenciação e demarcações sociais no hábito de frequentar o cinema.

Bibliografia

    CHARNEY, Leo & SCHWARTZ, Vanessa. O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2a edição, p. 33-65, 2010.
    DIAS, Edinea Mascarenhas. A ilusão do fausto: Manaus, 1890-1920. Manaus: Editora Valer, 1999.
    DOUGLAS, Mary & ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004.

    LAPERA, Pedro Vinicius Asterito. A encenação da discórdia. Tempo, [s.l.], v. 24, n. 1, p.21-40, jan. 2018. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/tem-1980-542x2018v240102.
    SANTOS JUNIOR, Paulo Marreiro dos. Manaus da Bélle Époque: tensões entre culturas, ideais e espaços sociais. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 27., 2013, Natal.

    SOUZA, Márcio. Amazônia e modernidade. Estud. av.,  São Paulo , v. 16, n. 45, p. 31-36,  Aug. 2002 .
    SOUZA, José Inácio de Melo. O cinema na cidade: algumas reflexões sobre a história da exibição cinematográfica no Brasil. Mnemocine, 2013.