Ficha do Proponente
Proponente
- Jean Carlos Pereira da Costa (EHESS)
Minicurrículo
- Mestre em Histoire du Cinéma pela Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne e em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IH/UFRJ). É graduado em Comunicação Social (ECO/UFRJ), com habilitação em Rádio e TV, com período sanduíche na Universidade do Porto. Atualmente, é doutorando em Histoire et Civilisations na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), e também trabalha como editor, sobretudo de documentários, na Yadé Films, em Paris.
Ficha do Trabalho
Título
- Como as imagens vêm ao mundo? Patrimonialização de imagens do Alemão
Seminário
- Cinemas pós-coloniais e periféricos
Resumo
- Esta comunicação analisa a criação do acervo de imagens do CEPEDOCA – Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão –, no Rio de Janeiro, sob a coordenação da organização não-governamental Raízes em Movimentos. Em produção desde 2016, esse acervo tem como objetivo o recolhimento, a classificação e a circulação de imagens produzidas pelos moradores desse território em um processo de institucionalização da memória iconográfica e audiovisual dos habitantes do Alemão.
Resumo expandido
- Esta comunicação analisa o processo de criação do acervo de imagens do CEPEDOCA – Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão –, no Rio de Janeiro, sob a coordenação da organização não-governamental Raízes em Movimentos. Em produção desde 2016, esse acervo tem como objetivo o recolhimento, a classificação e a circulação de imagens produzidas pelos moradores desse território em um processo de institucionalização da memória iconográfica e audiovisual dos habitantes do Alemão.
Segundo o sociólogo Alan Brum, criador do arquivo e habitante do Alemão, o CEPEDOCA visa à “produção de saberes pela criação e pela circulação do patrimônio local, entendido como dispositivo de legitimação da luta e da reivindicação populares pelo direito à memória e ao reconhecimento de uma herança cultural da favela” (RAÍZES DA FAVELA, não paginado). Esse arquivo nasce de uma tentativa dos membros do Raízes em Movimento, com o auxílio dos outros habitantes do Alemão, de criar um contraponto aos estereótipos produzidos e perpetuados pelo imaginário midiático, e até mesmo pelas imagens de arquivos oficiais.
Quais são, no entanto, as distâncias entre esse projeto de patrimonialização de imagens e seus interlocutores locais? Como elas são recolhidas? Quem as arquiva e como elas são classificadas? A fabricação de um arquivo por si só não é suficiente para garantir o direito à memória do Alemão. “O arquivo é o resultado de uma criação do arquivista, que muda o status de uma imagem de traços perecíveis ao preservá-la” (LINDEPERG; SZCZEPANSKA, 2017). Sem uma estratégia de remontagem, valorização e de circulação, esses documentos vão ao encontro de uma noção utilitarista do passado: classificadas e devidamente arquivadas, mas sem perspectiva de uma sobrevida, essas imagens fazem parte de um passado passado, em que elas estão disponíveis continuamente aos usos de um “presentismo” (HARTOG, 2002) imediato, tirano, vazio e intermitente.
Podem os arquivos, todavia, tornar-se um laboratório de reconfiguração de nossa experiência com tempo e com a memória? Mais especificamente no caso do CEPEDOCA, interrogamo-nos se as imagens produzidas pelos habitantes das favelas e seu arquivamento não estariam de fato no centro do problema da memória e da dinâmica da patrimonialização nesses territórios. Nesses documentos, revelam-se em nível íntimo os mecanismos sociais que perpetuam a imagem externa das favelas e, no contraste com as imagens institucionais, revela-se a própria violência desses “lugares de memória” (NORA, 1993).
A partir de uma observação participante e de entrevistas com os fundadores do CEPEDOCA, propomos, portanto, uma reflexão sobre a fabricação desse arquivo – sua história, sua relação com a memória popular e com a herança cultural do território em que se insere –, sobre o percurso das imagens e coleções integradas a ele sob a ótica da patrimonialização, e sobre os processos de criação e circulação a partir do dispositivo de remontagem ou de reemprego dessas imagens em novas experimentações audiovisuais. Pretendemos estimular, dessa forma, um debate sobre as relações entre tempo, memória, patrimônio e imagens de arquivo.
Bibliografia
- BRUM PINHEIRO, Alan ; et al. Complexo do Alemão : uma bibliografia comentada. 1ed. Rio de Janeiro, UFRJ/PROURB, 2017.
COMAROFF, Jean & John. Theory from the south : or how Euro-America is evolving toward Africa. Boulder (Colorado), Paradigm publishers, 2011.
HARTOG, François. Régimes d’historicité. Présentisme et expériences du temps. Paris, Seuil, 2003.
HEINICH, Nathalie. La Fabrique du patrimoine. De la cathédrale à la petite cuillère. Paris, éditions de la Maison des sciences de l’homme, 2009.
LE GOFF, Jacques. Histoire et Mémoire. Paris, Gallimard, 1988.
LINDEPERG, Sylvie ; SZCZEPANSKA, Ania. À qui appartiennent les images ? Le paradoxe des archives, entre marchandisation, libre circulation et respect des oeuvres. Éditions de la Maison des sciences de l’homme, 2017.
NORA, Pierre. Les Lieux de Mémoire. Paris, Gallimard, 1993.
RODRIGUES, Rute Imanishi (Org.). Vida social e política nas favelas : pesquisas de campo no Complexo do Alemão. Brasília : IPEA, 2016.