Ficha do Proponente
Proponente
- Flavio Pereira (UNIOESTE)
Minicurrículo
- Licenciado e Mestre em Letras Português-Espanhol pela UNESP, campus de Assis. Máster em Filologia Hispânica pelo CSIC, Espanha. Doutorando em Letras (Literatura Espanhola) pela USP. Docente da área de Espanhol da licenciatura em Letras da Unioeste, campus de Foz do Iguaçu. Pesquisador das relações entre literatura e cinema, notadamente no âmbito ibero-americano, com uma tesina de máster em 2007 do CSIC, sobre a representação realista da marginalidade urbana na literatura e cinema sul-americanos.
Ficha do Trabalho
Título
- Memória e ficção na literatura e cinema espanhóis do século XXI
Resumo
- No século XXI, ganha força na Espanha a representação na literatura e no cinema de dinâmicas de resgate da memória coletiva da guerra civil e da ditadura franquista. As narrativas contemporâneas operam este resgate tenso, num país onde ainda há forças sociais em embate em torno à necessidade de fazer isso e das formas como se leva a cabo tal tarefa. Abordaremos algumas obras literárias e cinematográficas ficcionais para verificar, em sua construção, as possibilidades desta poética da memória.
Resumo expandido
- No século XXI, ganha força na Espanha a representação, na literatura e no cinema, de dinâmicas de resgate da memória coletiva da guerra civil e da ditadura franquista. Após três anos de intensa guerra civil (1936-39) e quase quarenta anos de ditadura (1939-1975), o país se redemocratizou e assumiu um tácito pacto de silenciamento sobre a violência do passado recente perpetrada sobretudo pelas forças do Estado e seus apoiadores. Desde o final do século XX, ganha força no campo literário a recuperação da memória coletiva da guerra civil e do franquismo, ao mesmo tempo em que continuam a chegar ao cinema filmes que também estão construídos em torno a uma poética de recuperação da memória do passado recente. As narrativas contemporâneas operam este resgate tenso, num país onde ainda há forças sociais em embate em torno à necessidade de fazer isso e das formas como se leva a cabo tal tarefa. O partido político herdeiro do conservadorismo franquista, o Partido Popular, não apoia as iniciativas de recuperação da memória do passado recente sob a acusação de que elas impedem “fechar as feridas” e conduzem à permanente “crispação” social, enquanto forças de esquerda acusam a sociedade espanhola de não ter feito o esforço necessário para, pelo menos simbolicamente, enterrar os seus mortos, enquanto a ditadura franquista fez isso com os restos mortais de seus apoiadores com toda a pompa e circunstância. Assim, obras de enorme sucesso como Soldados de Salamina (2001), romance de Javier Cercas traduzido a várias línguas, popularizaram esta poética e ao mesmo tempo permitem problematizá-la, devido às tensões que atravessam o reconhecimento de vencedores e vencidos que a obra opera. Sintomaticamente, o mesmo romance foi transposto para o cinema em 2003, em roteiro escrito e dirigido por David Trueba. Em 2011, chegou ao público o filme La voz dormida, de Benito Zambrano, baseado na obra literária homônima de Dulce Chacón, que também contou com sucesso popular e continua sendo editada na Espanha. Assim, verificamos que continua a obter alcance popular obras que plasmam esta poética de busca e reconhecimento de memórias sobretudo dos vencidos pela guerra civil, que durante a ditadura franquista foram extirpadas da memória coletiva do povo espanhol. Pretendemos com este trabalho fazer um rastreamento destas obras, ainda que não exaustivo, com o objetivo de verificar que estruturas subjazem a elas e como se colocam diante do público. Utilizaremos para tanto o arcabouço teórico sistematizado por Northrop Frye em Anatomia da crítica (1973) no ensaio “Crítica dos modos”, para observar se as obras dialogam com o passado numa chave nostálgica e romanesca ou de forma mais problemática, complexa e irônica, assumindo as dificuldades inerentes ao processo de recuperação da memória do passado recente e até mesmo a impossibilidade de efetuar, metaforicamente, o preenchimento do vazio que foi deixado pelo extermínio de milhares de cidadãos. Estes foram perseguidos seja porque tomaram partido a favor da II República durante a guerra civil e por isso foram alvo preferencial da ditadura franquista, seja porque não tomaram nenhum partido, mas estavam em regiões da Espanha onde a II República manteve seu domínio até a derrota ou estavam em regiões da Espanha claramente de maioria franquista e de alguma forma foram alcançados pela violência franquista durante e após o conflito. Desta forma, pretendemos verificar de que formas a literatura e o cinema dão forma a este embate social em torno ao que resta do passado recente da Espanha, levando em conta as reflexões de Paul Ricoeur sobre os transtornos sociais da memória e do esquecimento em La memoria, la historia, el olvido (2007) e o complexo trânsito social da memória coletiva. Por fim, apoiamo-nos nas reflexões de Walter Benjamin sobre a precariedade da memória em tempos de barbárie, posto que as narrativas operam como o Anjo da História benjaminiano, que se ergue sobre uma montanha de escombros para testemunhar.
Bibliografia
- AGUILAR FERNÁNDEZ, Paloma (1995). Memoria y olvido de la guerra civil española. Madrid: Alianza.
BARAHONA DE BRITO, Alejandra e AGUILAR FERNÁNDEZ, Paloma (2002). Las políticas hacia el pasado: juicios, depuraciones, perdón y olvido en las nuevas democracias. Madrid: Akal.
BENJAMIN, Walter (1987). “Teses sobre o conceito de história”. Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, p. 222-232.
CASTRO, Luis (2008) . Héroes y caídos: políticas de la memoria en la España contemporánea. Madrid: Catarata.
FERRO, Marc (1980). Cine e historia. Trad. Josep Elias. Barcelona: Gustavo Gili.
FRYE, Northrop (1973). Anatomia da crítica. Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix.
LUENGO, Ana (2004). La encrucijada de la memoria: la memoria colectiva de la Guerra Civil Española en la novela contemporánea. Berlín: Edition Tranvía.
RICOEUR, Paul (2007). La memoria, la historia, el olvido. Trad. Agustín Neira. Madrid: FCE.