Ficha do Proponente
Proponente
- Nikola Matevski (ECA-USP)
Minicurrículo
- Jornalista, mestre em Meios de Processos Audiovisuais (ECA-USP, 2018). Foi programador de filmes e produtor do Sesc Paço da Liberdade, em Curitiba (2009-2011). Colaborou como crítico de cinema e tradutor em catálogos de mostras de cinema e revistas eletrônicas e impressas. Foi curador, seletor ou jurado em diversos festivais e mostras de cinema (Olhar de Cinema, Mostra Londrina de Cinema, entre outros). Repórter setorista da editoria de cultura da Gazeta do Povo entre 2003 e 2007.
Ficha do Trabalho
Título
- Movimentos do corpo e do pensamento:Glauber Rocha e Roberto Rossellini
Seminário
- Cinema comparado
Resumo
- A comunicação discute a relação entre “Di-Glauber” (Glauber Rocha) e “Centre d’art et culture Georges Pompidou” (Roberto Rossellini). Concluídos em 1977, os dois filmes passam-se nas dependências de museus de arte. Cada um apropria-se de pinturas e gravuras inseridas nos espaços expositivos, com choque e pessoalidade de um corpo agitado no caso de Rocha e um flanar abstrato e ruminante no de Rossellini.
Resumo expandido
- Com poucos meses de intervalo, tanto Glauber Rocha quanto Roberto Rossellini realizaram documentários ancorados em museus de arte. O cineasta brasileiro, tão logo soube do falecimento de seu amigo Di Cavalcanti, no dia 27 de outubro de 1976, deslocou uma equipe de filmagem para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro onde o corpo do renomado pintor era velado. Poucos meses depois, em janeiro de 1977, Roberto Rossellini era convidado pelo Ministério de Relações Exteriores da França para realizar um documentário por ocasião da inauguração do Centro Georges Pompidou, um ambicioso complexo de arte e cultura abrigado por um edifício arrojado e espetacular.
Mais que uma coincidência de ocasião, a rodagem nos museus aproxima os dois cineastas de situações circunstanciais parecidas. Ambos filmaram pinturas e gravuras em seus respectivos espaços expositivos. Igualmente, tanto Rossellini quanto Rocha tocaram na relação dicotômica entre arte e vida, inserindo-se uma longa tradição da representação dos museus no cinema – uma herança marcada, no mais das vezes, pelas associações com a morte e pela evocação de experiências epifânicas. A postura de Rocha, contra a lugubridade do enterro, é um gesto enérgico de choque, irreverente e carnavalesco, manifesto na montagem descontínua e nos efeitos de câmera que produzem a imagem agitada e expansiva de um gesto físico. Rossellini, ao contrário, não faz do movimento do plano um desdobramento do corpo inquieto, mas encadeia sequências cujo vagar sereno é dinamizado pelo contínuo reenquadramento (deslocamentos de trilho, eixo e zoom). Onde o luto de Glauber é afrontoso com a norma social para se alçar à transgressão festiva, celebratória e profundamente pessoal em afirmação da vida, Rossellini esvai-se no distanciamento de uma imagem etérea e não-antropomórfica que faz as vezes de uma consciência abstrata que rumina sobre um fenômeno cultural inédito. Nesse caso, diante do público maciço que perambula pelo Centro Pompidou como se este fosse uma loja de departamentos, a arte talvez tenha sucumbido ao edifício avançado que lhe serve de sepulcro.
O diálogo entre os filmes é enriquecido pela citação a Rossellini feita por Glauber: em tom memorialístico, o brasileiro recorda-se de ter sido apresentando ao cineasta italiano por intermédio de Di Cavalcanti. Então com 19 anos e trabalhando como jornalista, o baiano impressionou-se ao ver Rossellini filmar “sarcófagos e outros batuques das ruínas portuguesas com rapidez impressionante”. Desse testemunho marcante surgiu o aprendizado libertador que viu Glauber perceber a força de uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. E no entanto, para além de qualquer efeito banalizado da máxima glauberiana, Rossellini em seu filme feito no Centro Pompidou registra precisamente um equilíbrio delicado entre o gesto de operação da câmera, predeterminado e também aberto à contingência, cuja dimensão última é a abstração das ideias e do pensamento.
Na comunicação, uma comparação mais aprofundada será feita entre “Di-Glauber” ou “Ninguém assistirá ao formidável enterro da tua última quimera, somente a ingratidão, aquela pantera, foi sua companheira inseparável! – Di Cavalcanti Di Glauber” (Glauber Rocha, 1977) e “Centre d’art et culture Georges Pompidou” (Roberto Rossellini, 1977) levando em consideração as formas particulares com que cada cineasta se apropria de pinturas, gravuras e espaços expositivos dentro do ensejo mais largo que caracteriza suas lidas com a articulação entre o olhar e o gesto.
Bibliografia
- Adorno, Theodor. “Museu Valéry Proust”. In: Idem. Prismas – crítica cultural e sociedade. São Paulo: Ática, p. 173-85, 1998.
Jacobs, Steven. Framing Picures: Film and Visual Arts. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2012
Matevski, Nikola. Uma Visita ao Beaubourg: itinerâncias do olhar no cinema de Roberto Rossellini. Dissertação (Mestrado). ECA-USP. São Paulo, 2018.
Xavier, Ismail. “Di-Glauber: o documentário performativo e o trabalho de luto como afirmação da vida”. Devires. Vol. 12, n.2, jul-dez 2015, p. 120-131.