Ficha do Proponente
Proponente
- Wilq Vicente (UFABC)
Minicurrículo
- Doutorando em Ciências Humanas e Sociais na UFABC e mestre em Estudos Culturais pela USP. Organizador do livro QUEBRADA? Cinema, Vídeo e Lutas Sociais (CINUSP, 2014) e curador de mostras, entre elas a 1ª Mostra Cinema de Quebrada (CCSP, 2005), Carta Branca ao Submarino Vermelho (19º Festival Int. de Curtas-Metragens de São Paulo, 2008), 3ª Mostra Cinema da Quebrada do CINUSP (2014) e a 1ª Mostra Cinema da Quebrada do MAE-UFBA (2016). Produziu o Circuito de Vídeo Popular na Rede TVT (2011-12).
Ficha do Trabalho
Título
- Narrativas audiovisuais e disputas culturais em busca do povo
Seminário
- Cinemas pós-coloniais e periféricos
Resumo
- O objetivo desse texto é compreender as transformações na produção de vídeo ligada às classes populares nas últimas décadas no país, tendo em vista mudanças nas formas organizativas e nas narrativas de expressões diversas dessa produção. Analisa-se sobretudo suas elaborações de categorias como “povo”, “periferia”, “comunidade”, que dialogam com concepções oriundas de outras estruturas sociais e institucionais bem como outras categorias discursivas utilizadas para abordar a desigualdade.
Resumo expandido
- A emergência de novos artistas e coletivos nas periferias introduz no cenário cultural um novo componente de disputa de significados e também de recursos e espaços, ainda que sobremaneira marcado pela desigualdade social. Não espanta que esta produção tenha se tornado visível ao mesmo tempo que surgiram representações da periferia na televisão, no cinema, na indústria cultural.
Mudanças nas políticas governamentais, sejam diretamente culturais, sejam educacionais, sejam econômicas e sociais, inclusive aquelas que viabilizaram a ampliação do consumo das classes mais baixas, tiveram impacto no contexto de uma nova produção cultural popular. A diversificação de editais de seleção de projetos, o fortalecimento de ONGs, o aprofundamento da ótica da diversidade e cidadania no âmbito das políticas culturais, específicas visões de governos em relação à dinâmica entre Estado e cultura, a incorporação parcial de talentos da periferia pela indústria cultural parecem dialogar diretamente com o contexto da produção de vídeo nas periferias nas últimas décadas.
“Popular”, “comunitário”, “de quebrada” ou “periférico” são termos agregados à essa produção que aglutinam uma grande diversidade de experiências e que são debatidos socialmente na disputa por legitimidade e sentido. Faz-se necessário considerar esta produção em diálogo com outras narrativas acerca do “povo” oriundas de outras dinâmicas sociais, sejam aquelas presentes na história do cinema brasileiro e na produção cultural contemporânea de uma maneira geral, sejam aquelas pautadas no âmbito de movimentos sociais e culturais no período, na organização do terceiro setor, nas políticas públicas de cultura e no cenário político nacional.
A ideia de “nossa realidade representada por nós mesmos” se coloca o tempo todo como pauta da ação, apontando sobretudo para uma disputa cultural por representatividade. É possível ver diferentes formas de lidar com esta pauta em produções como: Videolência (doc. 2009), do Núcleo de Comunicação Alternativa (NCA); Qual Centro? (doc. 2010), do Coletivo Nossa Tela; e Um salve doutor (fic. 2015), do Coletivo Mundo em Foco, vídeos fruto de projetos apoiados por editais públicos, de coletivos formados no âmbito de oficinas de ONGs, agora já fora do âmbito delas ou mesmo produções independentes de coletivos artísticos da periferia; em produções com maior estrutura de produção e circulação como Jennifer (fic. 2012), de Renato Cândido; Branco sai, preto fica (doc. 2014), de Adirley Queiroz; e Peripatético (fic. 2017), de Jéssica Queiroz, realizadores formados em cursos de audiovisual reconhecidos; e até mesmo em um filme como 5x Favela – Agora por Nós Mesmos (fic. 2010), de direção coletiva, mas sob a coordenação e produção executiva do renomado cineasta Cacá Diegues.
Diferentes formas de produção são abarcadas dentro dos mesmos marcos, abrigando, inclusive, vídeos realizados a partir de um olhar externo sobre as ações e manifestações populares, concebidos por realizadores independentes, casos por exemplo, de Linha de Montagem (doc. 1982), de Renato Tapajós; Santa Marta: Duas semanas no Morro (doc. 1987), de Eduardo Coutinho; ou mesmo dos recentes A partir de agora – As jornadas de junho no Brasil (doc. 2014), de Carlos Pronzato; e Nunca Me Sonharam (doc. 2017), de Cacau Rhoden. São possibilidades que decorrem do objeto e conteúdo dos vídeos e filmes, mas sobretudo de vínculos que são estabelecidos com os bairros, territórios, comunidades, temas e movimentos abordados nas produções.
A pesquisa aponta para formas distintas de apropriação dos mecanismos de produção da representação pelos sujeitos populares, descortinando tensões entre produtores de vídeo e o “povo”, com nuances próprias de seu contexto. O audiovisual feito na e pela periferia está posicionado em um campo de batalha cultural permanente, onde distintas alianças e forças se colocam para dar significados e orientar as práticas. Expor o contorno deste campo de batalha é o que almeja este texto.
Bibliografia
- BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. 2a edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
DAGRON, Alfonso Gumucio. (org.). El cine comunitario en América Latina y el Caribe. Bogotá: Centro de Competencia en Comunicación para América Latina, 2014.
HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
HAMBURGER, Esther. “Da política e poética de certas formas audiovisuais”. Livre-docência apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1999.
RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, Estado e Lutas Sociais: Anos 50, 60, 70. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1983.
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: Artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: UNESP, 2014.
SHOHAT, Ella.; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Editora CosacNaify, 2006.