Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Rafael de Almeida (UEG)

Minicurrículo

    Doutor em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás – UEG.

Ficha do Trabalho

Título

    Mauro em Caiena: do filme-carta ao filme-ensaio

Resumo

    Objetiva-se refletir sobre como ocorre a aproximação entre o filme-carta e os filmes de família, à luz de Mauro em Caiena (Mouramateus, 2012). Partimos da hipótese de que o realizador se utiliza da linguagem ensaística para estruturar sua narrativa. Pretende-se analisar a obra com a intenção de comprovar que ela revela-se como filme-ensaio na medida em que parece assumir uma voz pessoal reflexiva por meio dessa investigação subjetiva das imagens domésticas enquanto escreve a carta fílmica.

Resumo expandido

    Nesse sentido, o presente artigo trata da feitura de uma carta, mais especificamente de um filme-carta, aquele cujo remetente é Mouramateus e o destinatário é seu tio Mauro. Interessa-nos do ponto de vista temático, refletir sobre como ocorre a aproximação entre o filme-carta e os filmes de família na obra, com atenção às reverberações dessa aproximação na linguagem assumida pelo filme.

    Nosso problema de pesquisa questiona, então, de que forma o realizador Leonardo Mouramateus, em Mauro em Caiena, por meio de uma observação cotidiana atenta ao seu entorno familiar, parte do filme de família para escrever um filme-carta para seu tio Mauro. Partimos da hipótese de que o realizador, por meio do resgate de suas memórias – sejam elas construídas por ele mesmo ou por seus familiares – e a presença de um eu fílmico consciente do seu caráter de enunciador e das potencialidades de arranjo dessas memórias, se utiliza da linguagem ensaística do cinema para estruturar sua narrativa.

    Ou seja, revela-se como filme-ensaio na medida em que parece assumir uma voz pessoal reflexiva, por meio dessa investigação ponderada das imagens domésticas enquanto escreve a carta fílmica. A partir de uma análise fílmica centrada em investigar e elucidar como se dá a estruturação do filme-carta Mauro em Caiena, portanto, pretendemos refletir sobre os desdobramentos da adoção da linguagem ensaística na obra.

    Para tanto, em um primeiro momento nos dedicaremos a pensar sobre as especificidades do filme-carta e as aproximações de nosso objeto com essa forma fílmica. Logo em seguida, nos debruçaremos sobre o encontro do filme-carta com os filmes de família gerado pela obra. Adiante, trataremos de como tal encontro resulta em um trânsito que vai do filme-carta ao filme-ensaio, revelando a suspeita de que Mauro em Caiena se utiliza do ensaio cinematográfico para sua construção narrativa em forma de carta.

    “Pensamentos, imagens, palavras, tudo acaba em correspondência(s)” (DUBOIS, 2013, p. 45). Mouramateus parece concordar com tal ideia ao utilizar o pronome “você”, cuja existência evidencia que o filme-carta está endereçado a alguém, que as memórias partilhadas e que causam silêncio, por algum motivo, são sobre alguém. Percebemos na obra, a presença de uma expectativa do realizador em relação ao seu destinatário. Ele espera que seu tio compreenda como a sua fuga para a Guiana Francesa abriu feridas em sua família e em si mesmo.

    O filme-carta, assim como a carta literária, traz como premissa o desejo de correspondência a alguém. Alguém geralmente distante, seja pelo tempo ou pela cartografia. Nesse sentido, aponta para certa natureza de impossibilidade do encontro: por não poder voltar no tempo para se comunicar, nem poder ir para próximo do destinatário fisicamente.
    Mauro em Caiena nos revela um fluxo de pensamentos por meio da voz over de Mouramateus e da mescla de distintos materiais de composição. O realizador traz para o filme o que nos parecem ser memórias que foram acumuladas ao longo de sua vida, como se ele (re)visitasse uma “estante de memórias” com a intenção de compartilhar com o tio. Nesse processo, o valor agregado pelo realizador à cada elemento permite que associações pouco previsíveis ganhem forma.

    Por essa via, os filmes-carta podem ser percebidos enquanto montagens plurais, em que a voz do realizador, ao se comunicar com seu destinatário, nos guia por entre imagens de diversos formatos. Logo, as questões anunciadas nos filmes se fazem notáveis também como processos, em que o se destaca são as relações construídas dentro e a partir das cartas, pensadas enquanto a bricolagem dessas lembranças; o gesto de se expor frente à câmera; e o compartilhamento dessa obra com o mundo (MEDEIROS, 2013). Sendo assim, filmes domésticos, fotografias e materiais de arquivo podem ser combinados e ressignificados pelo gesto de montagem, com vistas à construção dessa correspondência, dessa troca, dessa relação entre remetente e destinatário.

Bibliografia

    ÁLVAREZ, Efrén Cuevas. La casa abierta. El cine doméstico y sus reciclajes contemporáneos. Madrid, Ocho y Medio, 2010.

    CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio desde Montaigne e depois de Marker; Campinas – SP; Papirus, 2015.

    DUBOIS, Philippe. Chris Marker: a carta e a fotografia. In: MEDEIROS, Rúbia Mércia de Oliveira (Org.). Filmes-carta: por uma estética do encontro. Caixa Cultural, 2013.

    MEDEIROS, Rúbia Mércia de Oliveira. Filmes-carta: por uma (outra) estética do encontro. In: Filmes-carta: por uma estética do encontro. Caixa Cultural, 2013.

    MIGLIORIN, Cezar. O ensino de cinema e a experiência do filme-carta. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.17, n.1, jan./abr. 2014.