Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Isabella Regina Oliveira Goulart (FIAM-FAAM)

Minicurrículo

    Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), sob orientação do Prof. Dr. Eduardo Morettin. Coordenadora Adjunta dos cursos de graduação em Rádio, TV e Vídeo, Tecnologia da Produção Audiovisual e Tecnologia em Produção Multimídia do FIAM-FAAM Centro Universitário, onde também é professora. Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Cinema, pela Universidade Federal Fluminense.

Ficha do Trabalho

Título

    O Brasil e a negociação da latinidade em “Eran trece”

Resumo

    Nas versões em espanhol feitas em Hollywood no início dos anos 30, a latinidade foi representada a partir dos valores hegemônicos da identidade normativa estadunidense. Analisamos como, em Eran trece (David Howard, 1931), a inserção de um número musical interpretado pelo brasileiro Raul Roulien, de diálogos em espanhol e de um elenco de latinos visou uma negociação com os públicos latino-americanos, mantendo a ambientação, os cenários, o roteiro base e os personagens do filme original em inglês.

Resumo expandido

    Entre 1928 e 1933, em meio às dúvidas e incertezas da virada para o cinema falado, Hollywood produziu versões multilíngues que adaptavam o texto em inglês para mercados de língua não-inglesa. A América Latina era o mais importante deles. As versões foram uma forma de “tradução” dos talkies originais (JARVINEN, 2012) e o componente étnico era fundamental. O estudo das versões em espanhol revela um “experimento em latinidade” que reduziu diversos grupos étnico-nacionais a um conjunto raso de características. Naquele momento, a estigmatização dos latinos na tela hollywoodiana não era novidade; todavia, ela era, pela primeira vez, diretamente endereçada às comunidades latino-americanas.
    Ao abordarmos a latinidade construída pelo cinema hollywoodiano como uma imagem da América Latina inventada pelos EUA, pensamos sobre as oposições entre ambos em termos análogos à relação Ocidente-Oriente consagrada por Edward Said. Com isto, não buscamos discorrer ipsis litteris sobre sua teoria, conscientes das especificidades do Orientalismo, das particularidades e diferenças de nosso objeto em relação ao Oriente. Procuramos marcar que, através da análise de um complexo representacional, é possível identificar que a América Latina foi historicamente construída como uma espécie de “alter-território” dos EUA. Em síntese, embora, geograficamente, a América Latina faça parte do Ocidente, o estudo do cinema hollywoodiano nos indica que, pelo olhar do norte, ela foi vista como um território diferente e, como indica João Feres Júnior (2017), percebida como um oposto dos EUA.
    O sistema discursivo do “latinismo” (RAMÍREZ-BERG, 2002), que simplificou a imagem da América Latina e de seus habitantes no cinema hollywoodiano justificando objetivos imperialistas dos EUA no continente, operou nas versões com a inclusão de atores latinos de nacionalidades variadas em ambientes marcadamente hollywoodianos, a tradução literal de roteiros em inglês, a contratação de diretores que não eram latinos e desconheciam o idioma das versões, bem como as culturas nacionais latino-americanas, etc. Além disto, ao mesmo tempo em que as versões empregaram muitos atores latinos, eles foram um ponto de conflito, pois “uma das maiores razões para o sucesso dos filmes de Hollywood com os públicos estrangeiros era a atração das estrelas que tinham se tornado internacionais” (VINCENDEAU, 1999, p. 220).
    A menção às versões em espanhol na imprensa carioca e paulistana (em tom crítico ou publicitário) evidencia que o Brasil fez parte da negociação dos estúdios hollywoodianos com os públicos latino-americanos neste episódio. Na lógica de mercado de Hollywood, recaímos na categoria de países que poderiam aceitar filmes em um segundo idioma: o espanhol. Em 1932, Eran trece (David Howard, 1931), versão em espanhol de Charlie Chan carries on (Hamilton MacFadden, 1931) teve espaço em nossa imprensa devido à participação do carioca Raul Roulien. A partir da discussão proposta acima, nossa comunicação propõe investigar este filme como estudo de caso. Trata-se de uma das poucas versões em espanhol que sobreviveram para análise, embora o filme original em inglês já não exista para comparação. A versão acrescentou um número de dança protagonizado por Roulien e pela porto-riquenha Blanca de Castejón (BAKER, 2010) semelhante aos que Roulien interpretava nos teatros da América do Sul. Eran trece mantém a ambientação, os cenários, o roteiro base e os personagens do filme em inglês, mas insere os diálogos em espanhol, acrescenta o número musical – indicando uma intermidialidade com o palco – e substitui o elenco por atores latinos, com destaque para a atuação de Roulien. A análise fílmica nos permite concluir que, para além dos estereótipos depreciativos de latinos que este tipo de pesquisa costuma identificar, o que se propôs nas versões foi a transplantação do idioma, dos corpos, dos sotaques e de elementos das culturas latinas para ambientes WASP, resultando em uma latinidade “perdida na tradução”.

Bibliografia

    BACKER, Ron. Mystery Movie Series of 1930s Hollywood. Jefferson/Carolina do Norte/Londres: McFarland Press, 2010.

    FERES JÚNIOR, João. “Representando a América Latina por meio da arte pré-colombiana: a semântica estrutural e histórica da alterização”. In: REALIS, v.7, n. 01, Jan-Jun 201, p. 19.

    JARVINEN, Lisa. The Rise of Spanish-Language Filmmaking: Out from Hollywood’s Shadow, 1929-1939. New Jersey: Rutgers University Press, 2012.

    RAMÍREZ BERG, Charles. Latino Images in Film: Stereotypes, Subversion, Resistance. Austin: University of Texas Press, 2002.

    SAID. Edward. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

    VINCENDEAU, Ginette. “Hollywood Babel: The coming of sound and the Multiple-Language versions”. In: HIGSON, Andrew e MALTBY, Richard (ed.). “Film Europe” and “Film America – Cinema, commerce and cultural exchange 1920-1939. Exeter (Inglaterra): University of Exeter Press, 1999.