Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    tatiana a c costa (UNA)

Minicurrículo

    Pesquisadora e realizadora audiovisual. Professora na UNA (BH), onde coordena o projeto PRETANÇA. Na UFMG, integra o grupo de estudos CORAGEM – Cor, Raça e Gênero. Participa do movimento segundaPRETA e é colabora de mostras e cineclubes. Participou das equipes de curadoria do forumdoc.bh e Mostra de Cinema de Tiradentes. É co-autora dos livros “Olhares Contemporâneos” (2011), “Mulheres Comunicam: Mediações, Sociedade e Feminismos” (2016), entre outros.

Coautor

    Breno Henrique de Almeida Rocha (UFMG)

Ficha do Trabalho

Título

    Negruras e suas encruzilhadas no cinema negro contemporâneo

Seminário

    Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações

Resumo

    Este trabalho apresenta um levantamento realizado a partir dos 185 curtas dirigidos por pessoas negras e inscritos ou convidados para seleção na edição de 2019 da Mostra de Cinema de Tiradentes. O levantamento foi feito com dados gerados pela organização e curadoria e na categorização em temáticas e estratégias percebidas nos filmes. O resultado revela algumas tendências de representação das negruras que dialogam com demandas histórias e apontam caminhos no cinema brasileiro contemporâneo.

Resumo expandido

    Pela primeira vez em sua história, a Mostra de Cinema de Tiradentes solicitou autodeclaração de raça e gênero de diretorxs na inscrição dos filmes de longa e curta-metragens para a seleção em sua 22ª edição, realizada em 2019. Compiladas as inscrições e convites dos 806 curtas, 185 tiveram direção de pessoas autodeclaradas negras. A iniciativa da Mostra responde a um contexto contemporâneo de uma também inédita ascensão de um conjunto heterogêneo de realizadorxs negrxs no cenário nacional. Essa produção cresce em um disperso movimento que reúne um conjunto de narrativas que parecem buscar não só representação mas a representatividade nas telas e fora delas.

    Parte desse conjunto de realizadorxs é oriunda de universidades é fruto de políticas públicas afirmativas originadas da atuação de intelectuais negrxs e das pressões de movimentos sociais. Fora das universidades, grupos de pessoas negras, em sua maioria de periferias, também começa a apresentar uma vigorosa produção audiovisual, estimulada em sua maioria também por investimentos diretos ou indiretos do setor público.

    A quantidade de filmes que são objeto deste levantamento e o conjunto de seus realizadorxs não se configuram, entretanto, como um movimento nos moldes do que já ocorreu em outros momentos no Brasil e em outros países. Na história recente, conjuntos de realizadorxs cujas obras influenciaram as gerações que os seguiram, notadamente nos EUA e na Inglaterra, foram autodenominados ou nomeados a posteriori em grupos mais ou menos coesos. Black Audio Film Collective, Blackspoitation ou L. A. Rebellion, alimentados por movimentos sociais e, por vezes, inspirando-se em cinematografias dissidentes como as africanas, estabeleceram rupturas e abriram caminhos. No Brasil, iniciativas pontuais, em torno de figuras que se tornaram emblemáticas como Zózimo Bulbul ou a tentativa de sistematização operada por Jeferson De (2005) em seu Dogma Feijoada, também foram marcos importantes e que reverberam nos filmes desta nova geração.

    Escolhemos denominar este conjunto de filmes como parte do chamado cinema negro brasileiro contemporâneo num “gesto político de fazer uma demarcação especial […] como forma de existir frente ao hegemônico” (AUGUSTO, 2018). E tomamos para este estudo inicial provocações que partem de parâmetros epistemológicos afro-brasileiros, como a noção de “encruzilhada” (MARTINS, 1997) e de “performance do tempo espiralar” (MARTINS, 2002) numa tentativa de dar conta das particularidades raciais – as negruras – das construções simbólicas presentes nas obras.

    O levantamento inicial realizado nesse conjunto de 185 curtas-metragens não pretende dar conta de todas as potências dessa produção. Por um lado, e quantitativamente, o levantamento se deu a partir dos dados gerados pela organização e curadoria da Mostra e se ateve às autodeclarações de gênero e de raça. A organização dessas informações possibilita cruzamentos de dados posteriores como, por exemplo, os relacionados a origens geográfica e de formação. O visionamento e categorização dos filmes se deu a partir de temáticas e estratégias de abordagem percebidas nos curtas. Foi possível observar a criação de algumas “contraestratégias representacionais” (HALL, 2016) em relação a estereótipos acionados por um cinema hegemônico, num possível gesto a partir de um “olhar opositor” (ou opositivo) (HOOKS, 2019) que podem ser exploradas em estudos posteriores. Também são notáveis algumas pontuais tentativas de articulação e complexificação da própria ideia de raça, evidenciando o caráter de construção, ou de “ficção útil” a um imaginário colonial (branco) (MBEMBE, 2018).

    O resultado desse levantamento, em fase inicial, aponta para algumas tendências de representação que dialogam com demandas históricas e apontam caminhos na recente produção cinematográfica brasileira.

Bibliografia

    AUGUSTO, Heitor. Passado, presente e futuro: cinema, cinema negro e curta-metragem. In.: FESTCURTASBH. 20º, 2018, Belo Horizonte. Catálogo. Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018. (p. 154-164)
    DE, Jeferson. Dogma feijoada: o cinema negro brasileiro. São Paulo. Imprensa Oficial, 2005.
    HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: ed. PUC-Rio/Apicuri, 2016
    HOOKS, bell. O olhar opositor: mulheres negras espectadoras. In.: Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019. (p. 214-241)
    MARTINS, Leda Maria. Afrografias da memória. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997.
    _________________ Performance do tempo espiralar. In: RAVETTI, Graciela e ARBEX, Márcia (orgs.). Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte: FALE-Faculdade de Letras da UFMG, 2002.
    MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. São Paulo: n-1 edições, 2018.
    SANTOS, Júlio César dos. A quem interessa o Cinema Negro?. Revista da ABPN . v. 5, n. 9 .
    nov.–fev. 2013.