Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Filgueira Marinho (ESPM)

Minicurrículo

    Cineasta formado pela UnB e Mestre em História pela UFF, dirigiu filmes e séries documentais, entre eles “O Prólogo” (2014) – exibido e premiado em mais de 20 festivais. Também atuou como assistente de direção e pesquisador de imagens arquivos para cinema e televisão. Trabalhou por 6 anos na TV ESCOLA como produtor no desenvolvimento de séries. Atualmente é professor do curso de graduação de cinema da ESPM, onde leciona nas áreas de televisão, documentário e representatividade no audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Memória e nostalgia nas imagens de arquivo de Raoul Peck

Seminário

    Cinema Negro africano e diaspórico – Narrativas e representações

Resumo

    O cineasta haitiano Raoul Peek marcou sua trajetória em um constante trânsito entre documentário e ficção. Em mais de trinta anos de carreira, suas histórias trazem temas como racismo, imigração, consciência de classe, memória e identidade. Neste trabalho analisaremos como o uso estético e narrativo das imagens de arquivo em duas de suas, “Lumumba: a morte de um profeta” (França, 1990) e “Eu não sou seu negro” (EUA, 2018), contribuiu para essa agenda política de Peek.

Resumo expandido

    Embora o termo “cinema de arquivo” transite sem cerimônias entre cineastas de diferentes gerações, seus limites não são exatamente precisos. Seria esse um cinema que trata majoritariamente sobre o passado? Um cinema feito a partir de fragmentos audiovisuais realizados por outros autores? Seriam sempre documentários? Ou um cinema-montagem onde o diretor articula ressignificação de planos? Embora flerte de forma afirmativa com essas questões, pesquisadores como Jay Leyda e Jaime Baron fizeram esforços consistentes em encontrar definições mais precisas e apontam para um campo mais amplo de possibilidades estéticas e narrativas. Enquanto Leyda se dedica a estudar a importância (ou desimportância) da genealogia da imagem para produção desse cinema, Baron dedica seus esforços na recepção dessas narrativas pela audiência, um fenômeno que chamou de efeito arquivo. Essas duas abordagens foram fundamentais para começarmos a compreender como o cineasta haitiano Raoul Peck mergulhou de forma tão particular no universo do cinema arquivo.
    Nascido no início da década de 1950 em Porto Príncipe, Raoul Peck atravessou o oceano atlântico logo nos primeiros anos de vida junto com sua família para fugir do regime de François Duvalier, Papa Doc (1957 – 1971). Foram vinte anos na República do Congo e outros anos nos EUA, França e Alemanha. Foi nesse último que se decidiu pela formação em cinema e abriu sua produtora. Realizador ativo desde meados da década de 1980, sua filmografia possui dezenas de títulos, entre ficção e documentários, quase sempre orbitando nos temas racismo, imigração, consciência de classe, memória e identidade.
    Se os temas escolhidos por Peck são reflexos de uma trajetória pessoal e política, a escolha de imagens de arquivo como principal ferramenta de linguagem parece ter um custo alto. Nesse caso, é possível projetar a idéia de Carolyn Steedman para a problemática das ausências nos arquivos também para a cultura audiovisual. A baixa frequência de registros de imagens e sons com protagonismo negro sugere o apagamento dessa memória. A depender do tema, podemos falar não de baixa frequência mas sim de inexistência. Sem fazer parte da pauta de veículos de comunicação ou de cineastas que gozavam de recursos e capital simbólico, o passado da experiência negra positiva e protagonista não tem nos arquivos e acervos de imagens seu melhor meio para perpetuação.
    Então, por que Raoul Peck apostou nessa linguagem? Além de inclinações estéticas, sua insistência por esse recurso parece ter um caráter político. Afinal, ele já reconheceu em mais de uma ocasião o papel central da conservação dos registros audiovisuais para a construção da memória. No entanto, diante desse apagamento, o cineasta haitiano precisou explorar os limites da definição de cinema arquivo para articular e ressignificar os poucos registros encontrados. Essas estratégias de linguagem de Peck, a relação entre pesquisa e conteúdo e a política de acervos são os temas deste trabalho.
    Para isso, escolhemos dois de seus documentários como objeto de estudo. “Lumumba: a morte de um profeta” (França, 1990) faz parte de uma segunda fase de sua cinematografia – quando passa a realizar filmes fora da Alemanha. Trabalhando sobretudo com seu acervo familiar e pessoal, ele conta a história do ativista político congolês Patrice Lumumba, um dos líderes da independência do Congo e brevemente primeiro ministro do país. Vinte e seis anos depois, Peck revisita os arquivos para realizar outro documentário, “Eu não sou seu negro” (EUA 2016). Com um olhar menos memorialista e mais nostálgico, o cineasta haitiano apresenta o pensamento político-ideológico de suas três maiores referências teóricas para compreensão da cultura da diáspora negra: Medgar Evers, Malcon X e Martin Luther King.
    A importância desse estudo de linguagem e pesquisa nas obras de Raoul Peck se dá por sugerir possibilidades narrativas que respondam as ausências e subrepresentações negras nos arquivos de imagem.

Bibliografia

    LEYDA, Jay. Films beget films: a study of the compilation films. Editora Hill & Wang. Nova York. 1971

    BOYM, Svetlana. The Future of nostalgia. Nova York: Basic Books, 2001.

    BARON, Jaimie. The archive effect: found footage and the audiovisual experience of History. London: Routledge, 2014

    LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora Unicamp. 2005

    BERNARDET, Jean-Claude. A migração das imagens. In TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org).
    “Documentário no Brasil: tradição e transformação”. São Paulo: Summus Editorial. 2004.

    STEEDMAN, Carolyn. Dust: the archive and cultural history. New Brunswick: Rutgers
    University Press. 2002.

    BAMBA, M. MELEIRO, A. (orgs.). Filmes das África e da diáspora. Objetos de Discursos. Salvador: EdUFBA, 2012