Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Igor Araújo Porto (UFRGS)

Minicurrículo

    Doutorando em Comunicação pelo Ppgcom (UFRGS), Bacharel em Jornalismo e Mestre em Comunicação
    e Informação pela mesma universidade. Participa do grupo de pesquisa Processos
    Audiovisuais (PROAv-UFRGS).

Coautor

    Guilherme Fumeo Almeida (UFRGS)

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema de ficção e memória política durante a Ditadura Civil-Militar

Resumo

    O trabalho propõe pensar como, no contexto da Ditadura Civil-Militar do Brasil, o cinema de ficção funcionou como forma de arquivo da memória nacional (Figueiredo, 2017). A partir de dois filmes produzidos no período, a pornochanchada dramática Os Sete Gatinhos (Neville d´Almeida, 1980) e o drama político Eles Não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981), pretende-se problematizar como a ficção exerce o papel de resgate da memória e de registro do cotidiano de um período autoritário.

Resumo expandido

    Enquanto um instrumento de representação dos efeitos do autoritarismo de Estado, como o desaparecimento, a tortura e a dor da perda, a arte une ficção, falsificação, ilusão e realidade, ao mesmo tempo em que assume um compromisso autêntico com a verdade e a denúncia da violência, se posicionando no limiar entre o público e o privado. Ao destacar a noção de arquivo como uma forma de analisar as relações entre memória e esquecimento no contexto brasileiro pós-ditadura civil-militar, Eurídice Figueiredo (2017) pensa a ficção como resgate e ressignificação da violência fruto do autoritarismo estatal. No caso nacional, Figueiredo aponta uma cultura dos vestígios em um contexto de falta de memória, que supriria, através das potencialidades ficcionais, a falta de um arquivo efetivo que permitisse o acesso aos traumas e abusos ocorridos no recente passado autoritário.
    Considerando esta potencialidade da ficção de captar os efeitos do autoritarismo estatal em termos de resgate da memória e de registro do cotidiano durante a ditadura civil-militar, este trabalho pretende analisar dois filmes produzidos durante o período, Os Sete Gatinhos (Neville d´Almeida, 1980) e Eles Não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981). Por meio do diálogo entre análise e problematização teórica, busca-se responder a seguinte questão: de que forma, em um contexto de repressão e censura política e moral, o cinema de ficção brasileiro realizado durante a ditadura civil-militar dá vazão a certas ideias, tensões e memórias?
    Enquanto representante dramática do gênero cinematográfico de maior sucesso de público durante a ditadura civil-militar brasileira, a pornochanchada, Os Sete gatinhos, adaptação da peça de Nelson Rodrigues, retrata os dramas familiares do período a partir da decadência moral do contínuo da Câmara dos Deputados Noronha (Lima Duarte), sua esposa e as cinco filhas. Com grande parte de sua trama ocorrendo na casa de classe média baixa em um subúrbio carioca onde Noronha vive com a família, o filme funde a problematização do poder paterno com o declínio deste poder dentro do ecossistema familiar. Esta dinâmica exemplifica o destaque feito por Figueiredo (2017) acerca da capacidade de resgate e arquivamento da ficção produzida sobre e durante um período autoritário e por Ximena Barraza (1980) em relação à habilidade da imaginação artística de captar as dinâmicas da vida cotidiana sob a ordem autoritária, assimilando as subjetividades que se materializam enquanto efeitos da vivência dos indivíduos em tempos de autoritarismo político.
    Já Eles não usam Black-Tie é uma adaptação da peça de Gianfrancesco Guarnieri, abordando o drama familiar de Tião (Carlos Alberto Ricelli), filho do líder grevista Otávio (Guarnieri), que decide furar greve por medo de perder o emprego às vésperas de ter um filho. Ao piorizar o decorrer de sua trama no interior da vida privada e recusar a abordagem mais teleológica que marcaou o contexto do cinema político brasileiro nas décadas anteriores, o filme registra o amadurecer do debate em torno das práxis de luta e resistência e dos limites de sua representação. Tudo isso conectado com uma tendência que pode ser observada nas artes brasileiras, sobretudo na literatura, a partir do processo de abertura política nacional, iniciado em meados da década de 1970 (FRANCO, 2003).
    Esta proposta é um braço comum das pesquisas de doutorado dos autores: a primeira, que busca estudar as relações entre estética e técnica na introdução do som direto em externas durante os anos 1970 e 1980, e a segunda analisa a representação das relações interpessoais sociais nas pornochanchadas brasileiras das décadas de 70 e 80 e conta com auxílio de bolsa CAPES. Ambas são desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM-UFRGS), sob orientação da Prof.ª Drª Miriam de Souza Rossini.

Bibliografia

    BARRAZA, Ximena. Notas sobre a vida cotidiana numa ordem autoritária. In: MAIRA, Luís et. al. América Latina: novas estratégias de dominação. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 135-167.

    CARDENUTO, Reinaldo. O cinema político de Leon Hirszman (1976-1981): engajamento e resistência durante o regime militar brasileiro. Doutorado em Ciências da Comunicação, ECA/USP. São Paulo, 2016.

    FIGUEIREDO, Eurídice. A literatura como arquivo da ditadura brasileira. Rio de Janeiro: 7 letras, 2017.
    FRANCO, Renato. Literatura e catástrofe no Brasil: anos 70. In: SELIGMANN-SILVA, Márcio (Org.). História, memória, literatura – O testemunho na era das catástrofes. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. p. 351-367.
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
    XAVIER, Ismail. O olhar e a cena – Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac Naify, 2003.