Ficha do Proponente
Proponente
- ROBERTO RIBEIRO MIRANDA COTTA (UFPel)
Minicurrículo
- Professor dos cursos de Cinema e Audiovisual e Cinema de Animação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Crítico de cinema e coeditor das revistas Rocinante e Orson. Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi professor da Escola Livre de Cinema (E.L.C./BH) e curador de festivais como o FestCurtas BH e o Forumdoc.bh. Possui experiência como diretor, roteirista, assistente de direção, continuísta e montador de filmes.
Ficha do Trabalho
Título
- Invenções e (re)existências em Cuauhtémoc e Mundo Incrível REMIX
Seminário
- Cinema brasileiro contemporâneo: política, estética, invenção
Resumo
- Imagens de arquivo, de câmeras de vigilância, estáticas, dinâmicas e/ou capturadas da tela do computador. Sons de cliques de mouse, da webcam, do hip hop, do grindcore ou de uma ópera brasileira. Cuauhtémoc (Leo Pyrata, 2012) e Mundo Incrível REMIX (Gabriel Martins, 2014) retomam algumas tradições do cinema brasileiro, na mesma proporção que as ressignificam. Este trabalho pretende analisar como esses dois filmes constroem formas políticas de resistência através de suas articulações estéticas.
Resumo expandido
- Sobre a apropriação de imagens de arquivo, Adriano (2015) aponta a existência dessa prática como uma das condições fundadoras do cinema brasileiro. Para tanto, ele cita o caso de Cunha Salles, um prestigitador, médico, bicheiro e exibidor responsável pela patente dos fotogramas supostamente mais antigos registrados no Brasil, cuja autoria até hoje é questionada ou contestada. No entanto, mesmo que esses fotogramas não tenham sido realmente filmados por Cunha Salles, a situação pode estabelecer um gesto pioneiro de found footage, oferecendo ao cinema nacional uma tradição diversas vezes renegada por cineastas, críticos e acadêmicos.
Cuauhtémoc (2012), de Leo Pyrata, incorpora essa tradição e apresenta uma constelação de imagens e sons (muitos deles apropriados de distintos arquivos), construindo um experimentalismo repleto de camadas estéticas. O título desse curta-metragem mineiro toma emprestado o nome do último imperador asteca, que resistiu à invasão espanhola, às vésperas de um violento processo de colonização. Fora isso, a obra não faz qualquer menção efetiva a tal governante, às características culturais de seu povo ou às influências colonizatórias que sofreu. Contudo, essa escolha possibilita associações simbólicas: “Em Cuauhtémoc, a implosão e a reconfiguração da língua é um ato de resistência” (ANDRADE, 2013, p.1). Sendo assim, a obra pode ser analisada pela chave do uso da linguagem cinematográfica como forma de resistir/confrontar, o que permite contato com outras tradições do cinema brasileiro. A mais notória delas é a defesa de uma precariedade de recursos técnicos capaz de potencializar a concepção estética de uma determinada obra, discurso que pode ser encontrado em pesquisas desenvolvidas por Bernardet (2007), Ferreira (1986) e Xavier (2012). No curta, dentre vários outros elementos, há uma conversa ruidosa que discute o disfarce da precariedade durante a realização de um filme, trazendo operações estéticas que proporcionam contradições, ironias e argumentações políticas.
Mundo Incrível REMIX (2014), de Gabriel Martins, é outro recente curta-metragem mineiro que vai ao encontro dessas percepções características do cinema brasileiro e de sua história. Igualmente realizado com parcos recursos orçamentários, o filme baseia-se numa multiplicidade de formas de registro, atribuindo a elas matrizes estéticas diversas. Das fotografias de arquivo ao CGI não-realista, ou das imagens em VHS à conversa na webcam, uma série de situações se descortinam, muitas vezes sem oferecer qualquer atribuição de causalidade.
“O desafio aqui é conseguir criar uma linha que leve de um elemento ao outro e que seja de continuidade e descontinuidade ao mesmo tempo. […] É a crença na forma das coisas, e no poder da imagem como agente dessas formas, que funciona como pulmão para a sucessão de transformações que não cessamos de ver em Mundo Incrível REMIX.” (GOMES, 2014, p.1)
É importante ressaltar que as transformações indicadas pelo autor atravessam as vivências de uma família negra que mora numa região periférica de Contagem/MG. Numa das cenas, um dos personagens relata um sonho no qual confronta o racismo com um imaginário rabo de dinossauro. Nesse sentido, é possível afirmar que as articulações estéticas desse curta também pressupõem o uso da linguagem como forma de resistência política, permitindo que o fantástico e o freak estejam próximos de uma experiência de mundo crível e cotidiana.
Portanto, este artigo busca analisar não somente o modo como esses dois filmes proporcionam um retorno a um conjunto de tradições do cinema brasileiro, mas, sobretudo, como eles inventam seus próprios códigos e constroem composições estéticas que atuam como forma de sobrevivência ou (re)existência no cenário cinematográfico contemporâneo. A metodologia se aporta na análise fílmica e na aproximação dos conceitos de fábula cinematográfica (RANCIÈRE, 2013) e de política como ação e processo (ARENDT, 2007).
Bibliografia
- ADRIANO, Carlos. Reapropriação de arquivo e imantação de afeto. Goiânia: VISUALIDADES, v.13, n.2, p. 60-80, jul-dez, 2015.
ANDRADE, Fábio. Niilismo em construção: dois filmes de Leo Pyrata. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/niilismo-em-construcao-dois-filmes-de-leo-pyrata/. Acesso: 19/abr/2019.
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema – ensaio sobre o cinema brasileiro de 1958 a 1966. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
FERREIRA, Jairo. Cinema de invenção. São Paulo: Max Limonade, 1986.
GOMES, Juliano. Além é o que se vê. Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/mundo-incrivel-remix-de-gabriel-martins-brasil-2014/. Acesso: 19/abr/2019.
RANCIÈRE, Jacques. A fábula cinematográfica. Campinas: Papirus, 2013.
XAVIER. Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo e cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.