Ficha do Proponente
Proponente
- Samuel Leal Barquete (IMS)
Minicurrículo
- Samuel Leal é mestre em antropologia pela UFRJ e doutor em comunicação pela UFF, com estágio-sanduíche na Université de Montréal. Pesquisa assuntos ligados ao cinema, fotografia e antropologia visual. Ganhou o prêmio Pierre Verger de Filme Etnográfico 2014 da Associação Brasileira de Antropologia pelo curta-metragem Ondas Curtas (2013). Atualmente é pesquisador-bolsista no Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro, onde pesquisa as fotografias de ferrovias de Marc Ferrez.
Ficha do Trabalho
Título
- Do outro lado: pequena etnografia sobre viagem, imagem e comunidade
Mesa
- Cinema, território e subjetivação I
Resumo
- Entre os Xavante hoje é comum a articulação com não-indígenas, onde o cinema é prática importante de mobilização. Observa-se nesta comunicação uma dessas redes, uma viagem onde as imagens foram disparadores centrais de relação. Na busca por resolução de problemas que produção, arquivo e circulação de imagens implicam, relações se atualizam tendo o fazer-cinema como horizonte contínuo. Nesse processo, as imagens se tornam um rastro das contaminações mútuas entre cinema, indivíduos e comunidade.
Resumo expandido
- 2012, final de tarde de novembro na aldeia Wederã, Terra Indígena xavante Pimentel Barbosa. O espaço sob um telhado de madeira e palha, sem paredes, começa a ser capinado e limpo. Cadeiras e esteiras são distribuídas em fileiras. Uma corda corta o espaço na metade, sobre a qual é colocada uma lona branca. Do outro lado chega uma longa extensão elétrica, onde é conectado um computador e um projetor. Assim que a noite caísse começaria uma sessão de cinema, a culminância de um processo iniciado no começo daquele ano e que mobilizou boa parte da comunidade desde então.
Em julho de 2012 Leandro Parinai’a, morador de Wederã, viajou pela primeira vez sozinho em um avião, com destino a Viena. Ele participaria de um congresso de antropologia, onde apresentaria um artigo escrito em parceria comigo. Eu havia acabado de defender o mestrado e a viagem era resultado de um longo processo de busca por financiamento para podermos ir os dois autores para o evento. A principal contrapartida para o dinheiro da viagem era a realização de um curta-metragem sobre o processo, que seria depois exibido na aldeia de Leandro.
O fato de a realização de um vídeo ser oferecido como contrapartida é resultado da natureza da rede em questão. Tal viagem foi uma atividade que se insere em uma articulação mais ampla de pesquisadores e realizadores xavantes e não-indígenas, que surgiu em 2008 em torno do Ponto de Cultura Apowẽ e da Escola Estadual Indígena de Ensino Básico Etenhiritipá, localizados em Wederã. As primeiras aproximações entre as pessoas que constituem ainda hoje uma rede articulada se deram por meio da necessidade de adquirir equipamentos para produção audiovisual na aldeia, assim como a capacitação da comunidade no seu uso. Desde então, o cinema de maneira mais ampla se constituiu como uma prática em torno da qual as relações se organizaram e se atualizaram ao longo dos anos.
A presente comunicação procura revisitar toda a cadeia de acontecimentos implicada nessa viagem: a busca por financiamento; a complicada logística que colocou Leandro em seus primeiros vôos sozinho entre 4 países e 3 idiomas diferentes; o desvio de rota inicial em Berlim, onde nossas imagens nos abriram as portas de uma comunidade; os impasses gerados pelos choques culturais em diferentes sentidos; a participação no congresso e uma ambígua homenagem de uma curadora de museu; a difícil edição do vídeo de volta ao Rio de Janeiro; e finalmente a exibição do curta finalizado na aldeia.
O objetivo aqui é observar um caso específico de uma questão mais geral, que é o gesto comum entre os xavantes de capturar parceiros não-indígenas em suas redes sócio-políticas, sempre vinculando-os a processos que revertam benefícios à comunidade. Nessa dinâmica, a produção de imagens em geral, e o cinema em particular, constituem uma das práticas preferenciais. Interessa especialmente entender como tal mobilização tem nas imagens um ponto de partida mas também um horizonte contínuo, de forma que, na busca por resolução de problemas que produção, arquivo e circulação implicam, relações se atualizam, produzindo uma certa comunidade que atravessa um território geográfico específico e se expande em um território afetivo mais amplo. Entende-se que tal processo tem no fazer-cinema uma linha guia, um processo que contamina e é contaminado pelas imagens que produz.
Bibliografia
- BARTH, Fredrik. Ethnic Groups and Boundaries (org.): The social organization of culture difference. Boston: Little, Brown and Company, 1969
CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009
MIGLIORIN, Cezar. Inevitavelmente Cinema: educação, política e mafuá. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2015
SILVA, Aracy Lopes da; FERREIRA, Mariana Kawall Leal (orgs.). Antropologia, História e Educação: A questão indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001
STENGERS, Isabelle. Cosmopolitics I. Univ. of Minnesota Press: Minneapolis e Londres, 2010