Ficha do Proponente
Proponente
- Mônica Mourão Pereira (ESPM Rio)
Minicurrículo
- Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (2004), com mestrado (2009) e doutorado (2016) em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente, é professora dos cursos de Jornalismo e de Cinema e Audiovisual da ESPM Rio. Pesquiso temas relacionados a: memória, narrativa, ditadura, comunicação contra-hegemônica e direitos humanos.
Ficha do Trabalho
Título
- Não vi e não gostei: disputas de memória a partir de “Marighella”
Resumo
- Este trabalho vai articular o caso do filme “Marighella” (sua derrubada do site do IMDb devido a ataques de direita para baixar sua nota na plataforma) às disputas por memória da ditadura (1964-1985). Considerando o atual momento de ascensão de ideias fascistas, vamos observar como a recepção a um filme sobre um personagem histórico de oposição à ditadura prescinde da audiência, visto que a reação a “Marighella” aconteceu antes mesmo da sua estreia.
Resumo expandido
- O filme “Marighella” (2019), dirigido pelo ator Wagner Moura, foi um fenômeno de recepção mesmo antes de ser assistido. O filme conta a história do guerrilheiro Carlos Marighella, que participou da luta armada contra a ditadura militar brasileira (1964-1985) na organização Aliança Libertadora Nacional (ALN). A “recepção” (MASCARELLO, 2004) deu-se a partir de elementos extrafílmicos que fazem parte do discurso de ódio proferido na internet contra ideias, grupos, pessoas ou produtos culturais identificados como “de esquerda” no Brasil contemporâneo. Tais elementos seriam principalmente a posição política do diretor (Wagner Moura), a escolha de um ator negro para interpretar o protagonista (Seu Jorge) e o financiamento do filme, via leis de incentivo à cultura.
Em seu lançamento no Festival de Berlim, o diretor levantou uma placa em memória a Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada em março de 2018. Na mesma ocasião, ouviram-se manifestações a favor de Luiz Inácio Lula da Silva. Na entrevista coletiva dada por Moura, ele afirmou que o filme era maior que atual presidente do Brasil Jair Bolsonaro e comparou a perseguição a Marighella (ao afirmar que ele foi um homem negro) aos assassinatos cometidos pelo Estado contra a população negra nas favelas brasileiras.
Esses acontecimentos foram suficientes para que brasileiros de direita se organizassem para derrubar a nota de “Marighella” na plataforma IMDb. O ataque contou com o uso de robôs e sofreu reação dos apoiadores do filme, que tentaram contra-atacar com notas positivas, e levou o IMDb a tirá-lo temporariamente do ar (REIS, 2019).
O caso faz parte de uma disputa de memória acerca da ditadura que prescinde até mesmo que se tenha assistido ao filme, atitude que se insere no atual contexto de ascensão de valores fascistas (Stanley, 2019). A ditadura tem sido alvo de intensas disputas de memória através da mídia e das redes sociais especialmente desde a eleição da presidenta Dilma Rousseff, que havia militado contra a ditadura através da luta armada. Os embates se intensificaram com a campanha que levou Jair Bolsonaro à presidência. Seu discurso de incitamento ao ódio contra figuras do campo progressista tem reverberado em vídeos de YouTube, memes e outros conteúdos produzidos e divulgados por jornalistas, comediantes e grupos de direita.
Um caso exemplar é o canal de YouTube “Jacaré de Tanga”, cujo vídeo sobre o filme “Marighella”, feito pelo jornalista Felipe Ferreira, chama os espectadores a ir ao site do IMDb e avaliar o filme “com a nota que você acha que o Wagner Moura merece” (FERREIRA, 2019). Na sequência, a edição insere um trecho do filme Tropa de Elite, em que o ator Wagner Moura interpreta o Capitão Nascimento, um policial do Bope que pratica violência durante as operações nas favelas: “Só quero dizer que vai dar merda isso”, afirma o Capitão.
O vídeo sintetiza bem as principais críticas da direita ao filme: mostra tuíte do deputado Alexandre Frota dizendo que o dinheiro para fazer o filme veio “do seu bolso” (na verdade, de captação através da Lei Rouanet); afirma ser mentira que Marighella era negro; e busca associar a oposição à ditadura à violência.
Além de trechos do Tropa de Elite, o vídeo de Felipe Ferreira também usa falas de Wagner Moura em entrevista coletiva e mistura o personagem com o ator e diretor: “O Capitão Nascimento teria vergonha do homem que Wagner Moura se tornou: um esquerdopata arrogante e mentiroso” (FERREIRA, 2019). Assim, compreendemos que o personagem faz parte da memória coletiva (HALBWACHS, 2006), em constante e cada vez mais acirrada disputa no que diz respeito à ditadura de 1964. A partir de conteúdo produzido pela direita para circulação na internet, este trabalho pretende compreender a recepção ao filme “Marighella” como uma estratégia dessa disputa, a partir de conceitos como memórias subterrâneas (POLLAK, 1989) e “unmastered past” (ROSENFELD, 2009).
Bibliografia
- FERREIRA, Felipe. Desmascarando Wagner Moura: o filme Marighella. YouTube. 18 fev. 2019. Disponível em . Acesso em: 19 abr. 2019.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
MASCARELLO, Fernando. “Os estudos culturais e a recepção cinematográfica: um mapeamento crítico”. Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 7, n.2, p. 92-110, 2004.
POLLAK, Michael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3: 3-15, 1989.
REIS, Julia. “Bots tentaram derrubar nota de ‘Marighella’ no IMDb, mas não deu muito certo”. 18 fev. 2019. Disponível em: Acesso em: 19 abr. 2019.
ROSENFELD, Gavriel D. A looming crash or a soft landing? Forecasting the future of the memory “industry”. The Journal of Modern History 81 (1): 122-158, 2009.
STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo. Porto Alegre: L&PM, 2019