Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Mateus Araujo Silva (ECA-USP)

Minicurrículo

    Mateus Araújo é doutor em filosofia (Sorbonne e UFMG), professor de teoria e história do cinema na ECA-USP. Organizou os volumes coletivos Glauber Rocha / Nelson Rodrigues (2005), Jean Rouch 2009: Retrospectivas e Colóquios no Brasil (2010), Straub-Huillet (2012), Charles Chaplin (2012), Jacques Rivette (2013), Godard inteiro ou o mundo em pedaços (2015) e O Cinema interior de Philippe Garrel (2018). Traduziu Glauber na França (Le Siècle du Cinéma, 2006) e vários autores franceses no Brasil.

Ficha do Trabalho

Título

    O diálogo com Glauber Rocha em Viagem a Niklashausen, de Fassbinder

Seminário

    Cinema comparado

Resumo

    Apesar de pouco atento ao universo dos países e das cinematografias latinoamericanos, Fassbinder dirigiu em 1970 um filme, Viagem a Niklashausen, que torna patente um diálogo muito revelador com o par de filmes sertanejos de Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). A comunicação explora a apropriação singular, pelo filme de Fassbinder, de alguns dos aspectos mais salientes daquele par de filmes glauberianos.

Resumo expandido

    Apesar de pouco atento ao universo dos países e das cinematografias latinoamericanos, Fassbinder dirigiu em 1970 um filme, Viagem a Niklashausen, que torna patente um diálogo muito revelador com o par de filmes sertanejos (Deus e o Diabo na Terra do Sol, 1963, e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, 1969) de Glauber Rocha – que no entanto nunca deu muita importância ao colega alemão.
    A comunicação explora a apropriação singular, pelo filme de Fassbinder, de alguns aspectos salientes daquele par de filmes glauberianos, a começar pelo seu horizonte histórico de retomada de um impulso de revolta popular do passado em função da luta política no presente. Se Deus e o Diabo recapitulava uma tradição de revoltas populares no Brasil a partir de uma vertente religiosa (da qual o episódio de Canudos era o emblema) e de uma vertente do banditismo social (representado pelo cangaço) para vislumbrar uma revolução socialista no Brasil dos anos 1960, Viagem a Niklaushausen se inspirava numa revolta camponesa do século XV ao sul da Alemanha para entabular uma meditação sobre a revolução na Alemanha do fim da década de 1960.
    No diálogo com o gesto glauberiano, o filme de Fassbinder retoma ainda mais fortemente O Dragão da maldade, criando personagens que ao mesmo tempo ecoam e deslocam os de Glauber (o falso Cristo Hans Böhm em relação a Coirana, a falsa Virgem Maria em relação à Santa de Glauber, le “Black Panther” Günther Kaufmann em relação ao Negro Antão, o conde Franz Maron em relação ao coronel Horácio, a condessa Margareth em relação a Laura e assim por diante), revisitando politicamente uma iconografia cristológica (importante em Glauber, rara em Fassbinder), dando corpo a uma versão alemã do projeto tricontinental que animava à época Glauber e Godard, entre outros.
    E convocava de modo ainda mais explícito o personagem de Antônio das Mortes, literalmente transposto para o mundo germânico, de modo a contracenar com o próprio Fassbinder. Ao colocar Fassbinder ao lado do personagem glauberiano, o filme estabelece a seu modo uma alegoria do diálogo entre os cineastas, comparável àquela outra criada por Godard e Gorin em Vent D’Est (1969). Trata-se também de pensar o sentido desta alegoria.

Bibliografia

    ARAÚJO, Mateus: “Jean-Luc Godard e Glauber Rocha: um diálogo a meio caminho”. In Puppo, E. e Araújo, M. (org.). Godard inteiro ou o mundo em pedaços. CCBB / Heco, 2015, p.29-44
    ELDUQUE, Albert & ARAÚJO, Mateus. “Ecos de revueltas lejanas: Fassbinder, Glauber Rocha y El viaje de Niklashausen (1970). In: J. R. García (coord.). Rainer Werner Fassbinder: Solo quiero que me amen. Madrid, Shangrila, 2018, p.174-95
    ELSAESSER, Thomas. Fassbinder’s Germany: history, identity, subject. Amsterdam Univ. Press, 1996
    NAGIB, Lúcia: World cinema and the ethics of realism. NY: Continuum, 2011, chap. 2, p.74-121
    RENTSCHLER, Eric: “‘There Are Many Ways to Fight a Battle’. Young Fassbinder and the Myths of 1968”. In Peucker, B. (ed.). A companion to Rainer Werner Fassbinder. Wiley-Blackwell, 2012, p.423-40
    XAVIER, Ismail: Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome, 2a Ed., Cosac Naify, 2007
    _____. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. 2a Ed., Cosac Naify, 2014