Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Mariana Dias Miranda (UFF)

Minicurrículo

    Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPCine/UFF) na linha Narrativas e Estéticas, e membro do Nex – Núcleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Audiovisuais.

Ficha do Trabalho

Título

    Afetos, corpos e atmosfera: o medo de classe em Los Decentes

Seminário

    Corpo, gesto e atuação

Resumo

    A presente comunicação tem como objetivo explorar a inerência política do conceito de afeto, compreendendo-o em suas possibilidades de conexão com a forma fílmica, como proposto por Brinkema (2014). Nesse sentido, a partir do diálogo entre afeto e o conceito de atmosfera desenvolvido por Gil (2005), visa-se explorar, no filme Los Decentes, a dimensão de circulação dos corpos em uma “atmosfera do medo”, reverberando o embate entre diferentes classes sociais no cinema argentino contemporâneo.

Resumo expandido

    O cinema argentino produziu, na última década, uma série de filmes, nos quais as relações entre diferentes estratificações sociais se tornam foco de uma exploração sensível, em que espaços de simultaneidade entre diferentes corpos de classe figuram no centro de narrativas mínimas. Dentre esses ambientes, destacam-se os grandes centros urbanos, como Buenos Aires e os countries, condomínios fechados, que, segundo Svampa (2005), podem ser definidos como uma autosegregação por parte das elites, as quais buscam uma comunidade em que prevaleça a demarcação de uma fronteira espacial para que semelhantes, principalmente oriundos de classes altas e média altas, estejam unidos essencialmente a partir da noção de propriedade e consumo.
    A busca por homogeneidade das sociabilidades de classe, reforçada principalmente pelas reconfigurações sociais de uma Argentina neoliberal pós anos 1990, será incorporada e retrabalhada, principalmente a partir de um afrouxamento da narrativa, que determina uma centralidade dos corpos e do sensório como lócus de disputas, em filmes como: Barrefondo (Jorge Leandro Colás, 2017), Historia del miedo (Benjamín Naishtat, 2014) e Los Decentes (Lukas Valenta Rinner, 2016).
    A partir disso, propõe-se pensar o conceito de afeto e circulação afetiva como um modo eficaz de compreensão das possibilidades políticas de um cinema voltado para o aspecto sensorial, ou seja, que passa de uma esfera dos grandes temas (macropolítica) para o cotidiano e íntimo (micropolítica). Nesse sentido, busca-se, nesta comunicação, um intercalar de diferentes acepções do afeto enquanto “poderes do corpo”, como definido por Del Rio (2008) e Ahmed (2004), com a proposta de Eugenie Brinkema (2014) de uma leitura formal do afeto, isto é, associando-as no que têm de comum.
    Grosso modo, o afeto e afetação são concebidos por Brinkema como uma força que está imbricada na estética e forma fílmica e, desse modo, as intensidades derivam do sistema formal e podem ser lidas através da mise-èn-scène, dos movimentos de câmera, sons, etc. A autora recupera, portanto, a proposta original da sistematização feita na obra Ética, de Espinosa, que visava entender as emoções e ações humanas a partir de uma espécie de geometria dos afetos. Brinkema, portanto, contrapõe noções da virada afetiva que determinam o conceito como uma força totalmente sem forma.
    Nesse sentido, há uma possibilidade de associação direta com a noção de atmosfera, como um “sistema energético” e de forças, definido por Gil (2005) como uma figura fílmica que pode ser percebida (lida) através das relações e reverberações entre os elementos formais do cinema. A atmosfera se relaciona, com isso, à uma percepção de forças em um determinado ambiente ou mise èn scène, que não se relaciona apenas com a dimensão do corpo humano em tela, mas do tecido fílmico.
    Através dessas associações, propõe-se uma análise do filme Los Decentes, entendendo-o como reverberação de uma atmosfera afetiva, na qual o medo de classe se torna núcleo de afetação, a partir do encontro entre elementos que formam o corpo fílmico e sua relação com corpos de classe em tela.
    Entende-se o medo a partir da definição de Ahmed (2005), como um afeto que diz respeito à antecipação de que algo possa vir a machucar, lesionar ou romper com algo seguro e confortável, com um espaço demarcado, sendo ligado diretamente a uma conexão entre corpo e espaço social. O objeto do medo, com isso, é formado a partir de uma economia afetiva, na qual a circulação de histórias de contato cria um formato e significado para um corpo como perigoso para a ordem social.
    Nesse sentido, considera-se sintomático esse tipo de atmosfera em obras como Los Decentes, que tem como núcleo temático um condomínio fechado, no qual as relações entre elite e classes populares é expressa principalmente através do corpo e da organização da mise èn scène, sugerindo a possibilidade de uma leitura afetiva do que seria a “luta de classes” no mundo contemporâneo.

Bibliografia

    AHMED, Sara. The Cultural Politics of Emotion. Nova Iorque: Routledge, 2004.
    BARRENHA, Natalia Christofoletti. A cidade e os medos – Historia del miedo (Benjamín Naishtat, 2014). In: Actas V ASAECA. Buenos Aires: Asaeca, 2016. p. 1-11.
    BRINKEMA, Eugenie. The forms of the affects. Durham: Duke University Press, 2014.
    DEL RÍO, Elena. Deleuze and the cinemas of performance. Powers of affection. Edinburg: EdinburgUniversity Press, 2008.
    GIL, Ines. A atmosfera como figura fílmica. Actas do III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO. Volume I, 2005.
    OLIVEIRA JR, Luiz Carlos. A mise en scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo. Campinas: Papirus, 2013.
    PAGE, Joanna. Crisis and Capitalism in Contemporary Argentine Cinema. Durham: Duke University Press, 2009.
    RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: WMF; Martins Fontes, 2014.
    SVAMPA, Maristella. La sociedad excluyente: La Argentina bajo el signo del neoliberalismo. Buenos Aires: Taurus, 2005.