Trabalhos Aprovados 2019

Ficha do Proponente

Proponente

    Beatriz Avila Vasconcelos (Unespar)

Minicurrículo

    Doutora em Filologia Clássica pela Universidade Humboldt de Berlim. Professora do Curso de Cinema e Audiovisual e do Mestrado em Cinema e Artes do Vídeo da Universidade Estadual do Paraná. Líder do Grupo de Pesquisa Cinecriare – Cinema: Criação e Reflexão (CNPq/Unespar).

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema como modo de atenção: o modus poético em Andrei Tarkovski

Seminário

    Teoria dos Cineastas

Resumo

    Aproximando as ideias de Tarkovski sobre poesia e sobre o seu cinema à noção de poesia como modo de atenção (Alford 2015; Gumbrecht, 2016), procuro mostrar que, opostamente à ideia de poesia como evasão ou como atividade simbólica, Tarkovski firma uma concepção de poesia e de cinema fundada numa experiência do real, experiência esta que demanda um modo poético de atenção para os fenômenos do mundo.

Resumo expandido

    Este estudo compõe uma investigação maior acerca da relação entre o cinema de Tarkovski e a poesia, relação que é frequentemente afirmada na crítica, mas que, geralmente carecendo de demonstração, não costuma ir além de um lugar comum. O objetivo da pesquisa é buscar, tanto nos filmes de Tarkovski quanto em obras escritas e declarações orais, elementos que permitam precisar quais as ideias do próprio cineasta sobre poesia, em que medida ele mesmo encara o seu cinema como poético e como essa poesia se materializa em seus filmes.

    No estudo que aqui se apresenta, discorro acerca da ideia de cinema como modo de atenção, buscando aproximar ideias de Tarkovski, expressas em entrevistas, diários e em Esculpir o Tempo, à noção de poesia como modo de atenção, tal como formulada pelo crítico e historiador da Literatura Hans Ulrich Gumbrecht (2015, 2016), que reitera e amplia as investigações da poeta Lucy Alford (2015). Gumbrecht e Alford definem a atenção, de forma geral, como “uma abertura da mente para o mundo” (Gumbrecht, 2015: 209). A poesia exige (tanto do poeta quanto do leitor) justamente esse tipo de atitude mental que estabelece um modo atentivo de ver, modo que é, ao mesmo tempo, um “modo específico de relacionamento com a realidade”, coincidindo com uma definição direta de poesia formulada pelo próprio Tarkovski: “Quando falo de poesia, não penso nela como gênero. A poesia é uma consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade” (2010: 18).

    Aqui se firma uma concepção de poesia fundada numa experiência do real, em oposição à ideia de poesia como evasão ou como atividade simbólica. Em 1983, em uma entrevista, Tarkovski recebeu esta pergunta: – Nos seus filmes a câmera frequentemente pausa em água, fogo, neve, cavalos. Estes elementos são usados talvez simbolicamente? Ao que ele responde: “Não, eles não são símbolos, eles são manifestação daquela natureza na qual nós vivemos” (apud Gianvitto, 2006: 101).

    A atitude anti-interpretativa ou anti-simbólica de Tarkovski aponta igualmente para a atitude poética que sua arte exige, atitude de atenção, voltada para os fenômenos do mundo, para o que eles são, enquanto realidade, e não para o que poderiam ser, enquanto símbolos. Ao contrário do símbolo, e de suas operações interpretativas, que sempre visam a uma equação (isto está no lugar daquilo), a poesia quer simplesmente pôr-nos diante de: “O poeta não descreve a cadeira: coloca-a na nossa frente” (PAZ, 2012, p. 114). Tarkovski não pretende inventar significados para a água, para o fogo, para os cavalos mas fazer-nos ter a experiência da água, do fogo, dos cavalos, na medida em que nos põe diante deles.

    A poesia estabelece-se, assim, em Tarkovski, a partir de um relacionamento profundo e direto com os fenômenos do mundo, não como abstração deles. Se seu cinema é poético, ele o é justamente na medida em que possibilita, por sua linguagem, esta “forma específica de relacionamento com a realidade”, esta “consciência do mundo” que se dá quando olhamos atentamente para os fenômenos. Não se trata de uma poesia fundada em um subjetivismo ou em um abstracionismo, oposto ao realismo e à atenção ao mundo. Assim, Tarkovski recusa as “pretensões do moderno” cinema poético, “que implica perda de contato com os fatos e com o realismo temporal, fazendo concessões ao preciosismo e à afetação” (2010: 79). Falar de poesia em Tarkovski é, de saída, falar de compromisso com o real, ou melhor, com uma certa experiência do real que é possibilitada pela atenção aos fenômenos.

    Pretende-se, com esta investigação, estabelecer critérios para fazer um reconhecimento dos recursos propriamente poéticos do cinema de Tarkovski, não aleatoriamente, mas segundo a própria compreensão de poesia do cineasta, ou seja, recursos que produzem uma “forma específica de relacionamento com a realidade”, uma “consciência do mundo”, um cinema poético como modo de atenção.

Bibliografia

    ALFORD, Lucy. We Know It in Our Bones: Reading a Thirty-Five-Acre Plot in Rural Virginia with Three Poems by Charles Wright. Philosophy and Literature. John Hopkins University Press, vol. 39, nº 1, April 2015, pp. 219-232.
    GUMBRECHT, Hans Ulricht. Diesseits der Hermeneutik. Über die Produktion von Präsenz. Frankfurt a. M.: Suhrkamp Verlag, 2004.
    ____________. Como abordar a poesia enquanto um modo de atenção. Eutomia, Recife, nº 16, vol 1, 2015, p. 218-224.
    ___________. Serenidade, Presença e Poesia. Belo Horizonte: Relicário, 2016.
    GIANVITTO, John. Andrei Tarkovski’s Interviews. University Press of Mississipi, 2006.
    PAZ, Octavio. O arco e a lira. São Paulo: Cossac Naïf, 2012.
    TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
    TARKOVSKI, Andrei. Diários. 1970-1986. São Paulo: E-Realizações, 2012